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domingo, 17 de maio de 2015

Capítulo 9 - segunda parte

Quando me dei conta já estava em frente a casa dos meus avós. Meu queixo tremia fazendo meus dentes baterem, mesmo estando no verão, correr na chuva noturna me deixou com um pouco de frio. Abri o portão e andei até a varanda, respirei fundo e abri a porta. Todos estavam na sala, meu avô mostrava à Mariana um antigo álbum de fotos enquanto Ágatha e minha avó olhavam outro. Assim que entrei, virei alvo de todos os olhares.


— Ah, Lavígnia! - minha vó exclamou levantando-se – Você está ensopada, por que não pegou um táxi?


— Eu estou bem, não se preocupe. - tirei as chaves da escola do meu bolso e entreguei a ela, tirei minhas sandálias rasteirinhas e sequei os pés no tapete da porta. - Já terminei tudo lá na escola.


— Obrigada, filha. Fiz um jantar vegetariano pra você. - disse ela. — Eu agradeço mas não estou com fome, já vou subir. - falei, escapulindo para a escada. — Mas...


Ouvi o início de um protesto de minha avó, mas subi as escadas tão rápido que não escutei o final dele. Ao entrar em meu quarto, tranquei a porta e me apoiei nela, acabei escorregando até o chão. Fiquei minutos incontáveis naquela posição, não acreditando que tinha descoberto finalmente a identidade do Caçador. Eu não conseguia assimilar que ele esteve todo o tempo por perto e eu não consegui descobrir. Mas era lógico! Que explicação mais poderia existir para as esquisitices que presenciei deles? O salto de Lídia naquela vez na Redenção, os arranhões sumindo do braço de Léo e a raiva inexplicável de Neit por Damian.


“ Oh minha nossa! Encontrei os Von Otman! ”


Ou talvez eles tenham me encontrado. Espere. Léo e Lídia já eram formados na faculdade. Por que se matriculariam então no curso que Mariana estava? Por que Zac estaria no teatro Amazonas exatamente na mesma noite em que Ágatha e eu estaríamos? Sim! Eles procuraram aproximar-se de nós! Mas por quê? Talvez soubessem que encontraríamos seus medalhões e os quisessem de volta. Claro! Essa era a única explicação possível. Mas ainda faltava descobrir o porquê de nós termos encontrado as insígnias. Levei a mão ao meu bolso de trás e tirei o símbolo prateado, olhei-o sob a penumbra do meu quarto.


Lembrei então de um dos sonhos que tive. Quando eu me via na ponte sobre o rio das Antas e à minha frente estavam os Caçadores. Eram quatro e entre eles uma mulher. Como não percebi antes? Neit, Léo, Zac e Lídia. Estava tão claro e eu me recusava a ver!! Com um suspiro profundo, me levantei. Guardei o medalhão embaixo do meu travesseiro e pegando meu pijama, fui ao banheiro. Me livrei das roupas molhadas e usei o secador de cabelos. Eu tinha a impressão de que a qualquer momento Ágatha e Mariana viriam me pressionar por alguma resposta.


Por causa disso, tranquei a porta do quarto e desliguei as luzes. Queria ficar sozinha e pensar, ao me deitar peguei novamente a insígnia. Fiquei olhando para ela e tentando encaixar as peças em meu quebra cabeças. O mesmo que me dispus a montar depois daquela marcante reunião em janeiro. Nem me dei conta de que horas peguei no sono, mas o sol que entrava pela janela, e aquecia meu rosto, me avisava que a manhã já havia chegado. Pelo segundo dia seguido me assustei ao ver o relógio. Outra vez eu tinha dormido demais. Já passavam das dez e meia e eu tinha um caminho de cerca de três horas até Porto Alegre. Me arrumei e desci as escadas correndo.


— Onde você vai? - Mariana perguntou surgindo pela porta de entrada.— Porto Alegre, preciso falar com George. - falei apressada.


— Com o vô?! Não vai me dizer que é aquela conversa? - indagou ela me seguindo pelo pátio. Eu tinha que pensar rápido, nem ela nem Ágatha tinham a menor ideia do que nossa família escondia, e eu não podia contar.— Tenho uns assuntos para resolver com ele.


— Hum hum... acabei de me lembrar que tenho que ir pra lá também, pode me dar uma carona?


— Vai fazer o que lá? - tentei me esquivar, queria resolver aquilo sozinha e depois contar pra ela.


— Lá onde? - minha irmã surgiu pela porta da frente arrumada e com sua bolsa.


— Poa. - Mariana respondeu.


— Sério? Que coincidência, eu ia pra lá agora mesmo. Vamos juntas.


- ela decidiu – Lavígnia, você dirige.


Não tive opção que não levá-las comigo. Nem pensei muito no assunto e corri para o volante, tinha coisas demais para pensar e nem mesmo repararia na presença delas.


— Preciso resolver algumas coisas na minha faculdade e pegar coisas que esqueci em meu quarto. - Mariana anunciou pulando para o banco de trás.


— Faz tempo que quero pegar umas coisas lá no meu quarto também.Minha irmã disse, mas assim como eu tinha previsto, fiquei quase o


caminho todo imersa em meu pensamentos e planos. Estava apenas fora da rota dos meus planos originais passar em casa, mas eu precisa deixar as garotas lá. Meu plano era ir direto para o Palácio Piratini e falar com George. Era por volta da uma e meia da tarde quando chegamos em casa.


— Ué... não vai descer? - Ágatha perguntou abrindo a porta do lado dela. — Han han – neguei – preciso ir a um lugar primeiro, mais tarde eu


volto. — Certo, nos vemos depois.


Mal Ágatha fechou a porta do carro e eu dei a ré saindo bem depressa pelo portão. Amaldiçoei várias vezes o limite de velocidade para dentro da cidade que era de 60km por hora. Queria chegar de uma vez ao palácio do governo e contar para meu avô o que tinha descoberto. Será que eles não tinham mesmo contato com os Von Otman há mais de cem anos como afirmaram para os patriarcas da casa Moreton Cavagnaro? Eu já descobriria isso, mesmo que tivesse que fazer um drama típico de Hollywood. Mal estacionei o carro e já pulei pra fora dele. Entrei tão rápido no palácio que nem deu tempo de me identificar, mas não era muito necessário já que eu era bem conhecida por ali.


— Senhorita Durani espere! - pediu a chata da assessora do meu avô quando passei correndo pela ante sala.


— Não tenho tempo pra esperar – falei abrindo as portas de madeira dupla e encontrando um amplo escritório vazio – onde está meu avô? - perguntei sentido a frustração me invadir.


— É isso que eu ia lhe dizer, seu avô viajou para Brasília no começo da manhã. - ela disse sendo a portadora de uma notícia totalmente inesperada e indesejada.


— O quê? - choraminguei ao levar uma das mãos à testa. — Sim, talvez ele volte amanhã pela tarde. — Está bem, obrigada.


Murmurei ao sair da sala. Próxima parada; Savanah Durani. Não demorei muito para chegar ao prédio no qual há alguns dias eu ainda trabalhava. Como da primeira vez, saí do carro assim que ele parou, deixeiaté mesmo as chaves na ignição e corri para o prédio. Como os elevadores estavam demorando resolvi subir pelas escadas mesmo, ganhando alguns olhares espantados das pessoas pelas quais eu passava. Mas quer saber? Eu não dei a mínima. Quando cheguei ao quarto andar, quase não conseguia respirar pois estava sem fôlego. Segurei no corrimão e respirei fundo algumas vezes, faltava muito pouco para descobrir o que minha família tanto escondia. Depois de mais alguns segundos, fui em direção à sala de minha tia.


— Senhorita Durani? - a secretária que eu nunca me lembrava o nome disse surpresa.


— Onde está Savanah? - perguntei sem tempo para formalidades. — Ela acabou de sair, devia estar descendo ainda quando a senhorita subia. - informou ela para minha expressão perplexa. — Não. - murmurei sem conseguir acreditar.


— Sim, ela juntamente com Sabrina e a secretária dela viajaram para


o sul do estado mas estarão de volta ainda hoje no final do dia.


— Isso não é possível, não é possível... - repeti com vontade de chorar de verdade.


— Sinto muito, mais alguns minutos e conseguiria falar com ela. Mas eu aviso que a senhorita esteve aqui. - disse solícita e eu assenti antes de sair.Apertei o botão para o elevador totalmente cabisbaixa, parecia que


minhas chances de chegar ao fim daquela história estavam cada vez mais longe. Os outros dois membros do Conselho não moravam em Porto Alegre e eu não iria mesmo dirigir uns mil quilômetros para encontrá-los. Entrei no elevador e me encostei no espelho enquanto olhava os números diminuírem no painel. Saí do prédio e caminhei pelo estacionamento totalmente perdida, o que mais eu poderia fazer? Esperar que minha tia chegasse era a alternativa mais viável, mas eu não aguentava mais ficar sem as respostas que tanto precisava. Quando cheguei ao meu carro, olhei para o céu que voltava a cobrir-se de nuvens pesadas depois de uma bela manhã ensolarada. Ao entrar no carro, recostei a cabeça no banco e fechei os olhos.


“ Por que tudo está sendo tão difícil? Quem mais poderia me ajudar? ”


Me perguntei, abrindo os olhos e vi o prédio branco do Instituto Médico Legal do outro lado da rua. Claro! Havia mais uma pessoa sim. — Doutor Porto!


Exclamei antes de sair do carro – outra vez. Aquele dia estava sendo uma peregrinação, eu só torcia para ele não ter sido abduzido assim como os outros. Entrei andando rápido no prédio e fui direto para a sala dele sem ser interceptada por ninguém. Nem mesmo bati na porta e entrei com tudo dando um susto no doutor que deu um salto da cadeira.


— Lavígnia?! Você aqui? - ele indagou voltando a sentar-se.


— Doutor me diga agora, o que mais o Conselho e o senhor tem escondido de mim? - ataquei e ele não pareceu surpreso.


— Achei que já soubesse de tudo. - tive a certeza que ele tentou se esgueirar, então caminhei até a mesa dele e coloquei o medalhão sobre os papéis que antes estava lendo. Agora sim a surpresa o dominou, seus olhos se arregalaram e então sussurrou: — Societatem sacramentum venatores. — O quê? - perguntei depois de uns segundos – O que é isso? — Onde o encontrou, Lavígnia? - ele perguntou ao invés de me responder.


— Isso não importa, quero saber o que ainda escondem de mim! Tem que existir algum motivo para eu ter chegado até isto. Sei que sabe muito mais do que me contou doutor Porto. - apoiei as duas mãos na mesa me inclinei sobre ela, o encarando – Não acha que se não me disser vou acabar descobrindo sozinha?


— É o que acontece ao se subestimar uma força maior. - ele disse mais pra si mesmo do que para mim. Apertei os olhos. — Que força?


Exigi e o doutor levantou calmamente seus olhos do medalhão para mim. Pareceu me perscrutar durante um tempo sem fim, o que só me deixou mais ansiosa. Havia muito mais coisa ali do que eu tinha mesmo imaginado.


— Imagino que esteja muito ansiosa, mas o que já esperou muito tempo, pode aguardar um pouco mais. - disse enigmático.


— Não acha que já chega disso? Chega de meias respostas e evasivas! Eu encontrei os Von Otman, sei quem são os Caçadores e sei que querem algo de mim! Me diga logo doutor, sei que está mais envolvido nisso do que quer deixar transparecer.


— De fato – ele assentiu e meu coração saltou muito mais rápido – mas não cabe a mim lhe contar.


— Como assim? - perguntei incrédula, ele suspirou calmamente.


— Tem razão em pensar que tudo isso é muito mais do que você imaginava, o que você está passando já era esperado. Não se angustie tanto Lavígnia, pois a verdade já está muito próxima de você. - disse me deixando mais confusa.


— Que verdade? Por que não me conta logo?


— Porque não é meu dever. Minha missão é estar sempre perto de sua família e dos Von Otman. - quando ele disse isso, juntei as sobrancelhas.


— Conhece eles?


— Ah sim, sua família e eles nunca perderam o contato Lavígnia. - fiquei boquiaberta ao ouvir isso – Essa história foi muito bem maquiada durante décadas para ser passada às gerações futuras. Mas no fundo, todo nós sabíamos que o mistério teria fim um dia. Eu sempre soube que seria com você, Ágatha e Mariana. E agora, tenho minha certeza concretizada. - declarou pegando o medalhão e eu perdi a respiração. — Como sabe sobre elas?


— Sei de tudo ao redor das duas famílias, esse é o meu dever. Pegue – ele me estendeu o símbolo – está muito perto para descobrir a sua ligação com ele.— Não! Esse é o emblema dos Von Otman, por que eu o encontrei?


O que tenho a ver com os Caçadores? Me diga por favor... - implorei, mas não pareceu convencê-lo.


— Vá para casa minha filha, fique tranquila porque você será guiada até onde quer saber. Sei que agora nem mesmo George e os outros poderão impedir o inevitável.


Ele me recomendou com aquela maldita aura de mistério que eu não suportava mais.


— Como assim ir para casa? Não vai mesmo me contar o que isso significa e o que eu e minha família temos a ver com ele? - perguntei furiosa e ele suspirou.


— Não é meu dever, mas não se preocupe pois você já saberá. - repetiu de forma irritante. — Como?


— Tomarei as providências. - garantiu ele para minha maior confusão.


—Não entendo. - confessei já exausta daquela conversa aparentemente infrutífera.


— Nem precisa, apenas espere.


Disse ele me dando um olhar que deixava claro que não falaria mais nada. Mas era estranho como ele parecia esperar pelo que acontecia,maneei a cabeça e apertei o medalhão com força.


— Estou cansada dessa maldita história. - afirmei ao olhar em seus olhos. — Mas não deveria, pois agora é que ela está começando.


Doutor Porto proferiu parecendo cheio de uma convicção que eu invejava, coloquei as mãos na cintura e suspirei. Ele não me diria nada, mas eu descobriria pois iria ficar em Porto Alegre até George ou Savanah voltarem. E deles sim, eu tinha certeza que teria minhas respostas. Lancei um olhar no doutor que queria dizer tudo o que uma garota bem educada não deve dizer e saí da sala. Caminhei me sentindo meio sem rumo, eu já tinha esgotado minhas possibilidades para aquele dia. E minha irmã e Mariana estavam esperando por respostas que eu não tinha, eu não podia contar a elas sobre o Conselho que nossa família formava há mais de um século. Para elas, vampiros só existiam nos filmes.


“ O que vou fazer? ”


Me perguntei já dentro do meu carro, no estacionamento da Secretaria. Olhei ao redor e me senti tão distante da minha vida como ela era há dois anos atrás. Minhas preocupações não passavam da faculdade, estágio e um namorado mega ciumento. Tudo tinha mudado tanto que eu não me reconhecia mais. Depois de vários minutos resolvi voltar para casa. Casa... aquela palavra soava até de forma engraçada pois era como se eu... não tivesse encontrado o lugar a que eu pertencia. Ao chegar, ouvi o rádio ligado e tive certeza de que quem tinha escolhido a música era Ágatha. Dejá Vu da Pitty, minha irmã curtia todo o mundo do rock nacional e internacional também.


Só dei graças que ela não tinha colocado as caixas de som explodindo com alguma música barulhenta do Metallica ou outra banda ao estilo “arrebenta tudo” que ela gostava.


— Ah, você está aí – minha irmã disse pegando uma caixa de papelão que estava em cima do sofá – onde estava?


— Hum... - foi minha resposta enquanto ela passava por mim em direção ao carro.


— Já vi que está bem humorada. – foi a vez de Mariana que descia a escada com uma mala.


— Por que isso? - apontei a mala, ela parou e suspirou.


— Decidi que vou ficar em Bom Jesus até saber porque tive pesadelos medonhos e sobrenaturais que me levaram até aquela caixa na floresta. - disse ela tão resolvida que me deixou de boca aberta. — Mas e a sua faculdade?


— Isso não me importa, depois eu continuo pois eu sei que tem algo muito estranho atrás disso tudo. É minha vida Lavígnia, não posso deixar isso de lado.


— Até porque – Ágatha entrou na sala e parou ao meu lado com os braços cruzados – você abandonou seu trabalho aqui também maninha. Seja lá o que for isso, tem força o suficiente pra fazer nós três deixarmos tudo para trás para descobrir. E você sabe de alguma coisa. - ela apontou pra mim e eu suspirei.


— Vamos fazer assim, George viajou pra Brasília hoje mas provavelmente ele estará aqui amanhã. Vão até ele e perguntem. - propus mal humorada e cansada de carregar aquele peso sozinha.


— Espere aí – Ágatha segurou meu braço quando fiz menção de subir a escada – o que o vô tem com isso? - inqueriu ela e eu vi a enorme confusão em seus olhos.


— Mais do que vocês duas possam imaginar. - respondi, puxando meu braço.

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