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sábado, 2 de fevereiro de 2013


         1. Fantasmas na ópera

Olhei indecisa para as águas escuras do Rio Negro logo abaixo do píer de madeira.

— Vamos Lavígnia, não me diga que tem medo dos botos? - Provocou minha irmã mergulhada até o pescoço no rio.

— Lógico que não! - Retruquei ainda relutante - Mas... eles não mordem né? - Indaguei pela quarta vez.


— Não se você não os irritar, anda logo, só temos trinta minutos! - Ágatha disse impaciente e eu suspirei.

— Tudo bem... certo – falei, sentando no píer - São só botos... botos com cerca de um metro e oitenta mais ou menos. - Balbuciei para mim mesma e Ágatha me olhou maneando a cabeça.

— Você está sendo ridícula,sabia?

— Ah, fica quieta! - Resmunguei entrando na água devagar para não assustá-los.

— Até que enfim! Achei que ia perder a oportunidade de nadar com os botos, você sempre quis isso.

Minha irmã me lembrou e eu olhei em volta. Tinha mais pessoas conosco, tínhamos ido com uma agência de turismo até Novo Airão - perto de Manaus - de barco só para ter essa experiência.

— Tem que dar peixe pra eles - disse uma menina moradora de uma comunidade ribeirinha, que provavelmente tinha crescido auxiliando turistas na função - Pegue.

Ela me ofereceu um pedaço de peixe, que eu peguei tomada de ligeira preocupação. Não queria acabar levando uma mordida de um boto, assim que o peguei fui rodeada por dois deles. Na verdade eles não são cor de rosa. São cinzas, porém ao nadar perto da superfície escura das águas do Rio Negro, a impressão é que são cor de rosa.

— Anda Lavígnia, dê o peixe pra ele! - Incentivou Ágatha parecendo ansiosa.

— Certo. - Eu disse levantando o peixe e um deles colocou parte do corpo pra fora e larguei na boca comprida dele - Ai...

Puxei a mão rápido provocando risos no pequeno grupo de turistas e em minha irmã também. Alguns minutos depois, eu já havia perdido o medo e me divertia admirando os animais. As águas eram quentes e a luz do sol refletia em sua superfície, era um cenário lindo.

Me enturmei fácil com as outras pessoas e acabei me afastando um pouco de Ágatha. Me virei para olhá-la e vi uma cena estranha. Ela olhava as próprias mãos com uma expressão assustada e preocupada ao mesmo tempo. Franzi as sobrancelhas e me aproximei.

— Ágatha? - Chamei fazendo com que ela se assustasse e encolhesse os braços junto ao corpo - Está tudo bem? - Indaguei com uma sobrancelha erguida.

— Hã... claro, claro está tudo bem... - Disse ela com um riso nervoso - Vamos lá, daqui a pouco vamos ter que sair da água.

Disse minha irmã nadando para longe de mim. Fiquei olhando em sua direção durante alguns segundos. A reação dela tinha sido estranha, assim como o fato dela encarar as mãos daquele jeito.

" Devo estar imaginando coisas! "

Eu disse a mim mesma quando voltei para junto do grupo de turistas. Os minutos que se passaram foram normais e bem divertidos. Quando se vai nadar com os botos, você tem cerca de trinta minutos para dar comida, nadar e tirar fotos. Pois, mais tempo que isso os irrita e os biólogos não recomendam.

Então - logo depois desse tempo - Alguns turistas do meu grupo estavam explorando a área ao redor e Ágatha e eu estávamos sentadas no píer, uma ao lado da outra.

— Que bom que você veio - ela começou e eu a olhei - na verdade pensei que nunca fosse vir.

— Eu disse que viria, e além do mais, eu estava louca para conhecer esse lugar. É incrível! - Falei, olhando a linda paisagem verde ao redor.

— O Amazonas é demais mesmo... adoro esse lugar. - Ele revelou olhando para as águas.

— Então... quer dizer que não vai mais voltar para casa? - Indaguei.

— Não sei Nia... tenho tudo que preciso aqui. Adoro esse lugar, a natureza, os animais, tenho meu estágio numa ONG e acho que posso ser efetivada depois que me formar...

— Resumindo; não vai mais voltar. - Concluí com certa tristeza.

— Mas, eu vou visitar você, juro. - Ágatha prometeu batendo no meu ombro com o dela.

— Sabe que George quer muito te ver não é? - Decerto para se certificar que eu não contei nada sobre o grande segredo da família - e os nossos avós em Bom Jesus também.

— Ah... BJ, nossa parece que faz uns cem anos que não vou lá.

— Acho que já está perto disso! - exagerei - eu estive lá no mês passado.

— Hum... seu namorado mora lá, não é? - Especulou minha irmã e eu franzi as sobrancelhas, não me lembrava de ter contado pra ela.

— Como você sabe?

— Como assim? Mariana é lógico! Eu falei com ela no MSN quando você estava vindo pra cá... Hum, ela me disse que o tal cara em questão é um tributo à beleza, é verdade? - Ágatha quis saber e eu sorri ao lembrar dele.

— Ele é incrível, já estou com saudades. - Falei, percebendo que tinha menos de vinte e quatro horas que o tinha visto no aeroporto em Porto Alegre e já estava louca para vê-lo.

— Nossa, está me deixando mais curiosa ainda para conhecê-lo.

— Mas, e o seu namorado? Aquele dos insetos? - Lembrei e ela fez uma careta.

— Aff... ele era um panaca... deve continuar sendo, mas não falo mais com ele. Agora, esqueça isso, vou curtir mais um pouco. - Disse ela antes de saltar de volta pra dentro do rio. Minha roupa já estava quase seca, então decidi não molhá-las outra vez.

Levantei e andei pelo pequeno píer de madeira até a margem do rio. Havia algumas casas por ali, muitas, mas muitas árvores e o som de diversos pássaros. O pequeno grupo de turistas estava espalhado entre o rio e as casinhas de madeira. Os moradores ribeirinhos eram muito gentis e sempre recebiam muito bem as pessoas de fora.

Caminhei lentamente pela margem enquanto tirava muitas fotos. Um pequeno som de galhos quebrando vindo da floresta, chamou minha atenção.

"Tudo bem, não é uma onça pintada! Não é, não é e não é!"

Eu disse a mim mesma enquanto adentrava por uma pequena trilha, o som vinha do alto, onças não costumavam se locomover nos galhos altos.

Tudo bem, eu sei que é uma imprudência entrar sozinha na floresta amazônica. Mas, eu não iria muito longe. Andei alguns metros e olhei para cima vendo algo que fez o meu queixo cair, literalmente. Era uma preguiça! Uma linda, fofa e grande preguiça se movendo nos galhos. Imediatamente ativei o zoom da minha câmera e tirei várias fotos.

— Ei, moça! Não pode entrar na floresta sozinha. - A garotinha que devia ter uns nove anos - e que me havia dado o peixe para alimentar o boto - avisou me dando um susto.

— Ah... eu sei, mas não iria muito longe. - Justifiquei fitando a repreensão em seu rostinho de pele morena.

— A floresta é traiçoeira com quem não a conhece. Às vezes até gente daqui mesmo se perde. É melhor ficar por perto.

Disse ela e eu torci o nariz, mas ela tinha razão. E eu tinha certeza que não teria a mesma sorte que tive quando me perdi em Bom Jesus. Quando meu herói me salvou.

— Sim, você está certa. É que eu vi uma preguiça, sabe isso não é lá muito comum para quem mora em Porto Alegre.

— Eu imagino - ela riu - hei, quer ir ver uma coisa bonita aqui perto?

— O que é? - Indaguei meio desconfiada.

— Acho que você vai gostar, vem. - A menina me convidou enquanto adentrava na mata. Dei de ombros e corri atrás dela.

— Qual o seu nome? - Perguntei assim que a alcancei.

— Jaci e o seu?

— Lavígnia... seu nome é muito interessante. - Observei e ela sorriu.

— É indígena, significa lua ou abelha da lua. - Explicou ela.

— Que lindo, mas você não é indígena. - Assinalei vendo que ela ela morena com cabelos pretos e lisos mas não tinha traços indígenas.

— Eu não, mas minha vó era. Ela casou com um homem branco e foi expulsa da aldeia. - Explicou Jaci dando de ombros.

— Nossa, um romance proibido... - falei com certa intimidade com o assunto, afinal de contas; eu vivia um.

— É, olha ali - Ela apontou um pássaro lindo e eu tirei uma foto. Andamos durante alguns minutos em silêncio - chegamos.

Jaci anunciou e eu vi uma pequena cascata d'água que descia por sobre pedras e formava um pequeno rio que corria em direção ao Negro.

— Que lindo! - Exclamei vendo um sorriso brilhar em seu rosto.

— É, a gente sempre vêm aqui quando não queremos entrar no rio. A água daqui é mais fria.

Disse ela parecendo orgulhosa e eu - como uma turista que se preze - disparei minha câmera em todas as direções. Foi então que vi um desenho estranho no tronco de uma árvore do outro lado. Parecia uma espécie de ave mas estava difícil de decifrar.

— O que significa aquilo, Jaci? - Indaguei apontando e uma expressão estranha passou pelo rosto da menina.

— Minha vó me dizia que aquilo é pra espantar os espíritos maus da floresta. Eles não podem passar pra esse lado. - Explicou ela, parecendo realmente acreditar na história. Mas, depois de tudo que havia acontecido desde o ano passado, eu não estava em posição de ser incrédula quanto a mais nada.

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