3.Uma Nova Mulher
Ficamos naquele bar até umas dez da noite. Rimos,
conversamos e nos divertimos como há tempos não
fazíamos... muito tempo. Acabei exagerando um pouco na
vodka e tudo ficou rodando e muito engraçado, então resolvi tomar
um banho antes de dormir. Quando saí do box me deparei com
minha imagem nua no espelho grande do banheiro. Os meses de
treinamento tinham deixado meu corpo em perfeita forma, como eu
nunca consegui ficar nem me acabando de malhar.
Descobri que eu era linda, sexy e poderia ser muito
provocante. Estava prestes a completar 25 anos e nunca tinha tido
tanta vontade de ser mulher. A garota bobinha tinha realmente
morrido, eu só precisava sepultá-la. E eu faria isso no dia seguinte.
No entanto seria melhor se eu não acordasse mais cedo, entretanto
isso não aconteceu. Acabei dormindo demais não sei dizer se pelo
excesso de bebida da noite anterior ou pela mudança brusca do fuso
horário. Mas o importante era que eu tinha descansado muito bem
pois os próximos dias dias seriam bem intensos, pelo menos isso eu
Era por volta de onze e quinze da manhã quando saí da cama,
procurei não fazer barulho pois as garotas estavam dormindo. Vesti
uma das últimas roupas que tinha – um macaquinho vermelho –
peguei todos os meus cartões de crédito e depois de comer alguma
coisa, saí. Passei por várias lojas e em todas elas comprei exatamente
tudo que tinha proposto, roupas sexys, apertadas, transparentes,
decotadas e curtas. Claro que não tudo na mesma peça. Também
calçados que antes não passaria nem perto, muito salto alto, botas e
salto agulha. Além de renovar toda minha maleta de maquiagem e
acessórios. Deixei todas as sacolas no carro e passei no salão de
beleza para me livrar daquele cabelo comprido que eu só podia usar
preso e trançado.
O cabeleireiro fez um corte médio e repicado, idêntico ao da
Penélope Cruz em Piratas do Caribe 5 só que numa versão mais
longa. Amei o resultado. Ficou incrível. Saí de lá me sentindo uma
nova mulher mas só faltava um pequeno detalhe, pensei tocando o
pingente com a insígnia dos caçadores em meu pescoço, e o melhor
de todos. Sendo assim, marchei decidida para o estúdio do tatuador.
— Que interessante – disse o tatuador examinando a insígnia
que lhe entreguei – é bem bonito, nunca tinha visto antes.
— É uma herança de família, bem exclusivo eu acrescento e
quero que você nunca faça esse desenho em mais ninguém.
— Tranquilo... onde você vai querer?
— Aqui. - virei e apontei a maldita borboleta azul – pode
cobri-la totalmente?
— Com certeza, pode sentar, vou copiar o desenho.
Ele começou a copiar o desenho que colocara sobre a minha
pele e eu já começava a sentir-me aliviada, aquele era o último laço
que me unia ao maldito Damian. Cobrir com o símbolo dos caçadores
era como lavar a minha honra, só uma parte pois a outra seria lavada
pelo sangue daquele imbecil.
— Tá feito – disse ele entregando-me o medalhão – vamos
começar. começar.—
— Perfeito.
As agulhadas que senti pela meia hora seguinte foram como
um prazer masoquista. Uma pequena punição pela minha estupidez
monumental em me apaixonar por um ser sem alma e sem
escrúpulos também.
— E aí, ficou bom? - ele perguntou enquanto eu olhava no
espelho a águia com as três espadas cruzadas em minhas costas.
— Está incrível, exatamente como eu queria.
O tatuador sorriu satisfeito mas não mais do que eu,
certamente. Agora sim, eu era uma nova mulher. Só me faltava um
pequeno detalhe para que me sentisse completamente autoconfiante:
matar um vampiro. Havia muitas outras criaturas maléficas que eu
poderia matar, mas nenhuma me daria tanto prazer quanto um
vampiro. Enquanto eu não pudesse matar Damian, iria descontar nos
de sua raça maldita que cruzassem meu caminho. Exceto por um,
alguém que por uma piada do destino iria em breve aparecer, mas
isso eu conto depois.
Mas por enquanto eu não via a hora de sair e conseguir isso.
Voltei para casa bem no final da tarde e não encontrei ninguém,
estava tudo silencioso e mergulhado na semiescuridão do começo de
noite. Eu não precisava mesmo de ajuda para levar todas as 60
sacolas de compras para meu quarto.
Passei um bom tempo organizando e guardando tudo
enquanto ouvia heavy metal naquela mesma rádio que tinha
descoberto. Foi então que o celular tocou e descobri que o tinha
deixado em casa. Xinguei a mim mesma pela idiotice de esquecê-lo,
quando atendi minha irmã pediu que eu fosse para a casa da família
Otman pois algo estava acontecendo. Aquilo já foi o suficiente para
deixar-me animada. Algo estava acontecendo! Ótimo! Será que
entraríamos em ação?
Escolhi para vestir uma calça jeans preta e totalmente justa e
uma blusinha sem alças com bojo frisado também preta e justíssima.
Uma botinha de cano curto, salto agulha e ponta redonda. Como
ainda não era verão e a primavera na serra do Rio Grande do Sul era
ainda bem fria, com alguns períodos de calor, peguei também um
casaquinho preto com uma onça dourada estampada nas costas e
uma garra na frente.
Fiz uma maquiagem quase básica porém linda. Caprichei no
delineador e na máscara de cílios e nos lábios um batom bem
vermelho com brilho. Fiquei muito satisfeita com a pessoa que o
espelho me mostrou.
— Olá, nova Lavígnia.
Disse para a mulher bonita e extremamente provocante. Nem
dava para acreditar que eu era ela! Demais! Queria ver a cara do
infeliz do Damian quando me visse. Iria ter que engolir tudo o que
disse, cada palavra.
“Acha mesmo que uma garota sem a menor graça como a
Lavígnia conseguiria tomar o seu lugar?”
A pergunta dele para aquela cadela imortal veio à minha
mente e eu trinquei os dentes.
— Será mesmo seu desgraçado?
Falei sozinha. Nossa hora iria chegar e minha vingança seria
lenta e muito saborosa... pelo menos para mim. Dei uma risadinha
cheia de maldade e peguei uma das minhas novas bolsas, pequena,
de couro vermelho e alça de corrente. Caso não tivesse nenhuma
missão para cumprirmos naquela noite eu sairia, iria ao Corujão ver
Joice e tomar alguma coisa. Saí e peguei o carro, enquanto dirigia fui
ouvindo a música Poison do Alice Cooper:
“Sua cruel artimanha, seu sangue como gelo,
um olhar poderia matar, minha dor
é sua excitação... eu quero te machucar
só para ouvir você gritar meu
nome... você é veneno”
Aquela música é absolutamente perfeita! Consegue me definir.
Pois agora eu era uma mulher sexy e perigosa, a única diferença era
que Damian não me amava e nem me desejava e por um lado isso era
muito bom para ele. Pois se me amasse isso seria mais um trunfo em
minhas mãos e ele sofreria em dobro. Mas ele não sentia nada por
mim, eu era apenas uma enfadonha missão para ele e ele o objeto da
minha vingança! Fui cantando enquanto ia para a casa dos Otman, o
portão estava aberto e assim que estacionei, Léo saia da casa deles.
Ele parou e caminhou até perto do carro.
— Oi Laví...
Ele parou imediatamente de falar quando fechei a porta do
carro. Seus olhos percorriam meu corpo e ele nem escondia a boca
aberta. Eu sorri satisfeita, primeiro homem a aprovar minha
mudança.
— Oi Léo, e aí o que está acontecendo por aqui?
Indaguei aproximando-me dele e então olhou meu rosto.
— O quê? - ele perguntou totalmente perdido, estava claro o
quanto estava surpreso.
— Ágatha pediu que eu visse aqui pois algo estava
acontecendo.
— Ah claro – ele riu bem sem graça enquanto passava a mão
pelos cabelos loiros desarrumados – eles estão ali na casa do vô.
Vamos lá.
— Claro.
O acompanhei até a cozinha grande da casa da tia deles.
Assim que entrei todos me olharam com expressão de espanto,
menos Zac que sorriu de forma maliciosa me examinando, pareceu
muito satisfeito. Mas não fiquei prestando atenção na reação deles, o
que monopolizou minha atenção foram as armas em cima da mesa.
Eu tinha certeza que uma delas era minha e fiquei muito mais
animada que antes.
— Oi gente. - cumprimentei a todos e um coro de respostas foi
seguido – Por favor digam que uma dessas é minha.
— É claro né gata? - minha irmã levantou-se e tocou meus
cabelos – E esse look novo? Tá poderosa.
— Resolvi mudar um pouquinho. - respondi.
— Um pouquinho? Você está um arraso! - disse minha prima.
— Valeu.
— Lavígnia você está linda.- disse Lídia com a doçura de
sempre.
Eu sorri e quando fui responder Neitan saiu na frente
mudando totalmente o assunto.
— Bem, como eu dizia – ele continuou a conversa que estavam
mantendo antes de eu chegar – vamos nos separar em três grupos,
um vai para o cemitério e os outros vão fazer a varredura nos locais
onde as vítimas foram encontradas, aqui e aqui.
Ele apontou num mapa aberto em cima da mesa e eu tive que
falar algo pois não estava entendendo nada.
— Peraí... cemitério? - indaguei confusa.
— É, a polícia da cidade vizinha encontrou dois corpos na
noite passada. Um estava sem uma gota de sangue no corpo e outro
tinha o pescoço quebrado e uma lesão bem séria – Zac me explicou –
isso é coisa de vampiro recém-criado, muito amador pois chamou
bastante atenção. As vítimas morreram em decorrência das mordidas
e vão acordar, precisamos impedir.
— Entrando num cemitério, abrindo túmulos e estacando
cadáveres? - resumi.
— Ao melhor estilo Van Helsing. - ele sorriu.
— Ah, eu estou fora desse grupo aí – minha prima se adiantou
- odeio cemitério, odeio mesmo.
— Sem problemas, você e Léo podem fazer a área leste. É um
local conhecido por ser um ponto de prostituição então tem vários
tipos de pessoas por lá. Bem fácil para um vampiro escolher uma
vítima. - Neitan os organizou como um verdadeiro líder.
— Por mim tá beleza. - concordou Léo colocando o pente na
pistola em sua mão. - E tu Mari?
— Tá ótimo.
— Eu fico com o cemitério – disse Lídia mostrando a mulher
corajosa que era por trás de sua aparência angelical – já vai dar 24
horas e essas pessoas vão acordar logo. Gosto de libertá-las enquanto
não experimentaram a maldição.
— Eu vou contigo. - disse eu.
— Mas vocês não podem ir sozinhas, nenhuma das duas
conhece São José dos Ausentes. - observou Zac.
— Tá, então você vai com elas e eu vou com a Ágatha. -
decidiu Neit e eu tive a mais absoluta certeza de que ele estava me
evitando descaradamente.
— Para que lado vamos?
Minha irmã perguntou a ele e eu não prestei atenção na
resposta, pois peguei uma das pistolas automáticas. Só de segurá-la
me senti mais forte e autoconfiante, a sensação era de poder e força.
Eu amei.
— Espero que ainda lembre como usar uma dessas. - Zac disse
com um daqueles seus sorrisos devastadores enquanto parava bem
pertinho de mim.
— Oh se lembro, mal vejo a hora de usar na verdade. - quase
sussurrei.
— Será que você vai se revelar uma predadora perigosa? -
disse ele no mesmo tom e eu dei um sorriso de canto.
— E você está louco para ver isso.
— Ah eu estou... bastante. - disse ele provocante.
— Bem – Neit falou alto chamando nossa atenção – se vocês
dois já terminaram – ele nos olhou parecendo irritado e eu devolvi
seu olhar mas com muita ironia – depois que terminarem de matar
essas vítimas vão para o The Rocky no centro, vai ter o show de uma
banda que faz cover de bandas rock dos anos 80. Vai ter muita gente
por lá e com certeza isso vai atrair semi-imortais.
— Nossa, sangue e rock'n roll para essa noite ficar melhor só
beijando uma gata bem sexy.
Zac disse todo sedutor para o meu lado e eu sorri e travei a
arma que fez aquele “creck” então bati com o cano dela em seu peito.
— Prefiro só o sangue e o rock.
— Então bora que só temos até o amanhecer.
Disse Léo mordendo uma maçã e se encaminhando para a
porta. Zac pegou uma mochila preta e pôs no ombro.
— Vamos no seu carro?
— Vamos, pega aí. - joguei as chaves para ele enquanto
guardava a arma na bolsa. - você dirige.
Então todos saímos, Neit não me olhou nem mais uma vez e
eu comecei a achar até engraçada a situação, mas no momento que
me irritasse eu iria amansá-lo direitinho. O céu ainda estava claro
mas uma lua crescente e tímida brilhava bem pálida. Calculei que
chegaríamos a São José dos Ausentes quando a noite tivesse caído
por completo.
— Vou ter que levar uma pá no seu carro, espero que não se
importe. importe.—
— Até parece, não vamos abrir sepulturas com as mãos. - falei.
— Estou torcendo para que não sejam túmulos convencionais
pois ficar cavando é um saco. - falou ele colocando a mochila e a tal
pá no porta-malas.
— Aí – minha irmã surgiu ao meu lado – te cuida, valeu?
— Não esquenta, te cuida também.
— Capaz, eles que se cuidem de mim.
Disse ela ameaçadora ao colocar as mãos na cintura e depois se
afastou na direção da moto harley que Neit ligava. Aí então me dei
conta que absolutamente todos nós estávamos de preto, totalmente
de preto. Uma equipe e tanto, pensei abrindo a porta do carro. As
luzes do jipe amarelo nada discreto de Léo se acenderam e Zac
entrou no carro um pouco depois de Lídia acomodar-se no banco
traseiro.
Assim que aquele cara assumiu a direção, consequentemente
depois de fechar a porta, seu perfume amadeirado com uma mistura
de pinho encheu o ambiente. Dei uma examinada nada discreta nele,
além da calça jeans preta ele usava uma camisa de manga comprida
que conseguia ficar apenas um pouquinho distante daqueles
músculos. No pulso um relógio grande e uma postura de homem
dominador e autoconfiante.
— Tomara que você não tenha só One Direction e Restart aqui
– disse ligando o rádio e Live and Let Die1 do Guns n' Roses estava
tocando na estação que eu vivia ouvindo – Opa, me enganei.
— Eu tenho cara de quem ouve One Direction?
— Tinha na verdade. - ele foi sincero enquanto saíamos da
propriedade, Neitan foi na frente e nós no meio com o jipe de Léo
logo atrás.
— Falou certo usando esse verbo no passado. - garanti.
— Vocês dois calem a boca pois eu ouço One Direction e até
Back Street Boys ainda. - protestou Lid lá atrás e nós rimos.
1 Do inglês Viva e Deixe Morrer, trilha sonora do filme Exterminador do Futuro
— Bah priminha, como é que você se prepara para sair
matando geral ouvindo músicas de garotinhas?
— Aff, não são músicas de garotinhas, são homens que cantam
seu machão metido a besta. - replicou ela.
— Nossa, e eu pensava que você brigava só com o Léo. - falei.
— A Lid só tem cara de boazinha, Lavígnia. Essa mulher é
brava que tu nem imagina.
— Sério, Lid?
— Não muito, é que os homens da minha família nasceram
com um dom para irritar-me. Eles implicam com absolutamente tudo
que eu faço. - reclamou ela e eu entendi.
— Sabe, isso tem cara de superproteção. Você é a única garota
da família a ser caçadora, acho que eles se sentem seguros tratando
você como uma menina ainda.
— Não é que faz sentido. - concluiu ela e aí me dei conta de
uma coisa.
— Zac, por que sua irmã não participa das reuniões e nem
virou uma caçadora? - indaguei e um silêncio imperou – O que foi?
Eu disse algo errado?
— Não... - disse ele depois de pigarrear – tudo bem é que... é
um assunto meio complicado sabe?
— Se não quiser contar tudo bem. - assegurei.
— Tudo bem, é que a Catarina não é filha do meu pai –
revelou ele e eu mordi o lábio, opa assunto sério – Meus pais se
separaram por um tempo e a mãe teve um relacionamento com outro
homem, daí a Cati nasceu. Um tempo depois meus pais voltaram e o
pai assumiu a criança.
— Hum... e aquela família que vive com vocês? Eles sabem de
tudo, né? Por quê? - eu já estava muito curiosa sobre isso.
— Ah isso – ele deu um sorriso de canto – essa amizade vem
de gerações, viu?
— Sério? Que legal.
— É... nossas famílias se conheceram quando os Von Otman
chegaram ao estado. Os Nunes eram índios que praticavam uma
magia muito poderosa por aqui, nunca foram atacados por nenhuma
criatura maligna. Logo viraram amigos por terem pontos em comum.
— Nossa... que história.
— Pois é, né? - Lídia falou – Eles são ótimos, não têm nenhum
poder sobre-humano mas conseguem afastar qualquer tipo de mal.
— Como?
— Eles fazem amuletos mágicos e tal. - Zac respondeu.
— Isso é incrível. - falei admirada mesmo.
Fomos conversando sobre isso pelo caminho que não durou
muito. Enquanto passávamos pela rodovia em certo ponto vi ao
longe um local bem iluminado e várias pessoas, parecia uma festa
mas estava muito longe. Não consegui ver muita coisa mas fiquei
curiosa. Assim que entramos na cidade vizinha o comboio separouse,
cada um seguiu de acordo com o plano. Nós fomos para a área
norte da cidade, o cemitério ficava num lugar bem isolado, isso é
típico de cidades do interior.
Fiquei meio relutante assim que o carro parou ao lado do
cemitério onde aquelas vítimas foram sepultadas. Não tinha
nenhuma iluminação nem cercas, os túmulos ficavam entre uma e
outra árvore, o ambiente era bem sombrio.
— Vamos lá.
Disse Zac saltando para fora sendo seguido imediatamente
por Lídia. Respirei fundo e os segui.
— Cara, isso é muito assustador. - disse Lídia cheia de razão.
— Concordo. - falei.
— Sempre é, mas temos que libertar duas pessoas da
maldição. Vamos nos separar e procurar os túmulos, peguem.
Ele deu para cada uma de nós uma lanterna. Eu a liguei e dei
uma conferida ao redor, a maioria dos túmulos era pintada de branco
mas havia alguns tão antigos que exibiam apenas um cinza frio e
manchas de mofo causadas pela chuva.
— Ok, vamos lá. - falei tomada de coragem – eu vou por aqui.
— Certo, se vocês acharem primeiro que eu me chamem, não
quero nenhuma de vocês duas abrindo túmulos.
— Affs, por quê? Você acha que não somos capazes? - fiquei
meio ofendida.
— Tenho certeza que vocês podem mas não na primeira
caçada da vida de vocês. - replicou ele com razão.
— É como a Lavígnia disse, superproteção. - disse Lid.
— Pois é gatinhas, é melhor se acostumarem por enquanto.
— Oin que fofo - brinquei – Mas não preciso de ninguém para
proteger-me viu, bonitão? - Apontei a lanterna no rosto dele e Zac
pôs a mão na frente.
— Eu vou pelo outro lado.
Disse Lídia indo pela direita e eu pela esquerda, Zac seguiu
em frente. Era estranho que num lugar com uma imensa área verde
como aquela não houvesse grilos, aquilo era apenas um indício de
que a maldição estava presente naquele local. Eu caminhava devagar
apontando a lanterna para os túmulos, me doeu muito encontrar dois
túmulos pequeninos. Tão pequenos que só poderiam ser de bebês,
parei um instante olhando para eles. É, certamente cemitérios não são
lugares legais, pensei antes de seguir em frente. O chão era de terra
mesmo e não tinha calçada nada parecido com os cemitérios da
capital.
Eu caminhava prestando atenção nos nomes nas sepulturas
quando um aroma suave de flores frescas chamou minha atenção.
Vinha da direção diagonal de onde eu estava, atravessei dois
corredores e vi na porta de um mausoléu uma coroa de flores
brancas. O nome acima da porta condizia com o nome de uma das
vítimas, uma garota. Virei para trás e vi ao longe a lanterna de Lídia
mas não achei uma atitude muito inteligente dar um grito logo ali.
Sendo assim, mandei uma mensagem no whatsaap para os dois.
“Achei ela. Terceiro corredor.”
E esperei, claro. Era a primeira vez que eu caçava e
francamente violar sepulturas não era bem o que eu tinha planejado.
Logo eles estavam ao meu lado.
— Achou rápido. - Lid falou.
— Pareceu ser de uma família importante, é o único mausoléu
aqui. - disse Zac examinando a porta.
E era bonito, claro de uma forma mórbida, mas era. Todo
construído de pedras de um tom cinza-esverdeado, portas duplas de
madeira nobre e formas arredondadas em sua arquitetura.
— Não está trancado – constatou ele antes de tirar a coroa de
flores e empurrar a porta – Está ali.
Zac apontou a lanterna para um quadro alto no meio da
parede. Havia oito sepulturas, quatro em cada lado, um já totalmente
preenchido, outro com três túmulos ocupados.
— Lavígnia, segura isso.
Zac pediu entregando-me uma luminária de emergência com
uns trinta centímetros de comprimimento e cinco de largura. A luz
que ela produziu iluminou o ambiente inteiro.
— Malditos vampiros, olha só, ela só tinha vinte e um anos. -
falou Lid maneando a cabeça.
— É, eles não têm nenhum traço de piedade por ninguém –
disse ele ao largar a lanterna no chão – coisa de semi-imortal sem
nenhuma experiência.
— Verdade, se tivessem um mestre ela não seria largada, iriam
usá-la de alguma maneira. - Lid completou.
— Espero que possamos achar os responsáveis por isso hoje
mesmo. - falei com uma raiva imensa.
— E se não acharmos, continuaremos voltando até achá-los e
mandá-los para o inferno – disse ele convicto – segura aí Lid e puxa
devagar, não queremos quebrar essa placa e dar pista que estivemos
aqui.
— Com certeza, vamos lá... 1,2,3.
Então os dois descolaram uma placa sólida de mármore que
fora chumbada com concreto na parede como se fosse um adesivo.
Depois de a colocaram de lado, puxaram com cuidado o caixão de
madeira brilhante. Era daqueles que segue o formato do corpo e
parafusado dos lados. Está bem, eu admito, estava em pânico! Aquilo
era horrível, o pesadelo que toda criança já teve e um pavor que faria
qualquer adulto tremer. Eu me senti naquela cena do clássico livro
Drácula em que o doutor Van Helsing e John abrem o túmulo da
jovem Lucy para cortar-lhe a cabeça e perfurar-lhe o coração.
Bem, até que a literatura não anda muito longe da realidade,
mas nesse caso apenas qualquer objeto perfurante cravado no
coração o impedirá de voltar a bater. Sim, o coração deles bate. Mas
isso acontece muito lentamente, tanto que eu, mesmo tendo deitado
várias vezes no peito de Damian, nunca pude sentir. O coração bate
quase parando, a pele vai esfriando à medida que eles não se
alimentam. Os semi-imortais até envelhecem, muitíssimo devagar
mas envelhecem até se tornarem tão fortes que a imortalidade não
lhes é mais um desafio.
Os imortais conseguem resistir a luz solar sempre entre meio
dia e três horas da tarde. Parece um paradoxo pois é quando a luz do
sol está mais forte. Mas só conseguem resistir por poucos minutos.
Embora não haja uma verdade absoluta quanto a nada no mundo
sobrenatural, em todos os casos as criaturas correspondem ao
imaginário da população local. Há vários e distintos casos, cada um
deve ser estudado antes que possamos sair atrás das criaturas, há
alguns locais no interior da Europa onde as lendas relatam que um
vampiro só pode ser morto pela estaca feita de algumas árvores
locais e realmente é o que acontece.
Em alguns locais os moradores atribuem doenças e mortes na
família à um parente morto acusado de ser vampiro. Chegam a abrir
a sepultura e retirar o coração do morto, queimam e misturam as
cinzas com água que é dada de beber à família e a maldição cessa.
Outros povos enterram foices perto da sepultura de seu parente afim
que o mesmo não se transforme num vampiros, outros chegam até
mesmo a decepar a cabeça e colocá-la nos pés do cadáver. O
importante é respeitar cada tradição pois todas têm pelo menos o
caminho a seguir. Contudo a forma mais aceita em todas as culturas
é que balas de prata conseguem matar qualquer criatura, e isso de
fato é verdade.
Voltei minha atenção para a cena pavorosa em minha frente,
aqueles dois já tinham aberto o caixão e uma bela jovem de pele
claríssima e cabelos escuros jazia como se estivesse apenas dormindo.
O triunfo de desafiar a morte fazia com que todos os que eram
transformados exalassem vida.
Claro que apenas por algum tempo até a morte mostrar-se em
suas faces.
— Ela nem parece morta. - Lídia observou.
— E não está, bem... nem viva nem morta. É uma pena, é tão
linda. - Zac falou ao tirar da mochila uma pequena estaca de madeira
de uns 20 centímetros.
— Não perca tempo, quero sair logo daqui. - falei realmente
incomodada.
— Está com medo, é? - ele debochou e eu vi os olhos da mortaviva
moverem-se levemente sob as pálpebras fechadas.
— Ela está acordando, Zac! - quase gritei.
— Anda logo. - Lídia também parecia nervosa.
— Ok.
Ele concordou colocando a estaca bem no meio do peito dela,
onde fica o coração. Nesse momento os lábios dela começaram a
mover-se e recuar sobre os dentes já afiados. A transformação estava
quase concluída e ela ainda inconsciente tentava lutar com Zac. Com
a palma da mão sobre a base da estaca e com um só movimento ele
enterrou a estaca quase até o fim. A jovem soltou um longo suspiro e
então seu corpo ficou totalmente imóvel. Estava realmente morta.
Lídia fez o sinal da cruz e sussurrou algo que não pude entender.
— Agora você poderá descansar em paz – Zac disse para a
moça – vamos acabar logo com isso.
Então os dois parafusaram a tampa do caixão e o colocaram
novamente no lugar.
— Não achei que isso seria tão estressante. - Lídia
confidenciou parando ao meu lado.
— Nem eu... não há treinamento que nos prepare realmente
para uma cena dessas. - respondi.
— Isso aqui foi tranquilo meninas – ele dizia enquanto
passava uma substância escura em torno da parte interna da lápide –
o ruim é quando se abre a tampa do caixão e o sujeito pula em cima
de você. Por isso nunca se abre uma sepultura sem companhia.
Ele terminou enquanto segurava a lápide contra a parede e eu
e Lídia trocamos um olhar de apreensão.
— Acho que nunca vou acostumar com isso. - disse ela.
— Vai sim, nossa família faz isso há séculos – disse Zac
colocando a mochila no ombro – tá no seu sangue.
— Espero que ainda esteja no meu, já que minha família
resolveu esconder-se por mais de um século. - falei quando já
tínhamos saído.
— Sempre esteve Lavígnia. A prova é que vocês voltaram. -
Lid disse dando um empurrãozinho no meu ombro.
— Temos que achar o outro, vamos nos separar outra vez. Eu
vou para o mesmo lado de antes. - decidiu ele.
— Tá eu vou para o mesmo também.
Disse Lídia afastando-se e eu dei de ombros e continuei em
frente. Confesso que ainda estava bem chocada com a cena de agora
a pouco. Embora tivesse sido treinada para controlar minhas
emoções, a prática era bem diferente da teoria. Disse a mim mesma
que aquilo se tornaria constante e que logo me acostumaria, então
não havia problemas. Mas eu sou obrigada a admitir que cemitérios
não são um dos meus locais favoritos.
Tudo que eu podia ouvir eram meus passos abafados e, agora
sim, grilos ao longe. Passei por uma sepultura que parecia muito
velha, a lápide estava bem inclinada para o lado. Então tive a
impressão de que algo passou atrás de mim, virei rápido apontando
a lanterna e me deparei com uma enorme coruja cinza pousada sobre
a cruz de uma sepultura. Meu corpo todo entrou em estado de alerta.
Podia ser o infeliz do Pietro. Aquele idiota conseguia se transformar
em aves e eu nem entendia porquê, em meus estudos no Vaticano
não encontrei que vampiros pudessem executar esse tipo de
metamorfose. Alguns podiam se transformar em lobos maléficos e
vampirescos ou em morcegos, mas em aves? Não achei nenhum.
Olhei para aquela criatura com toda a desconfiança possível e
então notei logo abaixo da cruz um buraco onde filhotes espiavam
curiosos minha presença ali. Dei um suspiro rápido. Era apenas uma
coruja normal que resolvera fazer seu ninho no cemitério. Não havia
motivos para a paranoia, pelo menos não ainda. Eu queria encontrar
Damian, mas não queria que ele fosse procurar-me em minha casa.
Se aquela coruja fosse Pietro metamorfoseado, era certo que contaria
ao imbecil que certamente iria atrás de mim.
A hora de nosso encontro iria chegar. Mas primeiro eu
gostaria de arrancar o coração de alguns vampiros para praticar.
— Achei!
A voz alta de Zac espalhou-se pelo silêncio daquele lugar
como se tivesse sido um grito. Virei procurando de onde vinha a voz
e rumei para lá com uma ideia. Quando cheguei em frente à
sepultura branca com uma coroa de flores em cima, Zac tirava
algumas ferramentas da mochila que estava no chão.
— Vamos ter que quebrar o cimento que prende essa tampa
ou ela vai quebrar se tentarmos puxar.
— Sem problemas, me dê uma aqui.
Falei ganhando dele a tal ferramenta que Lídia também pegou.
Dei a volta e agachei-me, quebrar aquele cimento já totalmente
endurecido foi tão fácil quanto quebrar isopor com uma caneta. Para
eles também foi e logo aquela sepultura já podia ser aberta.
— Vocês duas, segurem a tampa perto da lápide.
Zac ordenou e eu não curti muito a ideia.
— Eu vou matar este. - garanti.
— Tem certeza? - Zac pareceu em dúvida.
— Ei, esta noite é a minha primeira e até agora não acabei com
a raça de nenhum vampiro.
— Você tem razão... mas achei que ficaria um pouco
medrosa... que precisaria de mais tempo para acostumar-se. -
continuou ele.
— Achou errado. Dê-me uma estaca e ajude Lid a segurar essa
tampa.
— Hum... a predadora – sorriu de canto e me deu a tal estaca –
vai em frente. Lídia pegue sua arma e destrave, se ele atacar nós
atiramos.
— Certo.
Disse ela pulando como um gato para perto da lápide e numa
atitude rápida e eficiente ela puxou a tampa, que segurou com
apenas uma mão, e com a outra segurava em punho a arma que
apontava para o escuro daquele túmulo. Zac ao perceber que ela
podia se virar muito bem sozinha, sacou a arma e colocou-se ao lado
da sepultura.
— Dê um golpe certeiro e único, nunca hesite para não correr
o risco de ser atacada. - ele me orientou e eu assenti.
— Tá bem.
Concordei e me aproximei do buraco onde jazia um caixão
diferente do primeiro. Era daqueles com a tampa com dobradiças e
dividida em duas partes. A luz tímida do luar juntos com a lanterna
que Zac apontava eram suficientes para eu conseguir ver tudo. Para
nossa sorte, era uma sepultura construída e projetada para não levar
terra, apenas ter a tampa chumbada com cimento era o suficiente.
Pulei ansiosa e com a adrenalina à mil em meu sangue. Parei
com um pé em cima da parte de baixo do caixão e o outro do
pequeno espaço que sobrava. Apenas puxei a tampa e ela abriu sem
nenhuma resistência. Então o vi. Um homem negro e jovem, devia ter
minha idade. Claro que nada em seu rosto denunciava a morte,
estava perfeito. Quando cheguei mais parto para executar minha
tarefa, levei o maior susto.
O cara abriu seus olhos que ardiam em tom de vermelho
quase incandescente e segurou meu braço com uma força absurda.
Parecia totalmente confuso e eu odiei que já tivesse experimentado a
maldição de ser uma criatura das sombras. Já havia passado pela
horrível morte nas garras de um vampiro e agora morreria de novo
como um deles. Minha compaixão se transformou em convicção
quando ele mostrou seus dentes pontudos para mim na clara
intenção de atacar-me.
— Rápido Lavígnia!
Zac ordenou apreensivo e então com apenas um golpe, forte e
veloz, cravei aquela estaca em seu peito. A sensação foi ótima, mas
ainda não era o que eu queria. Ali eu estava libertando uma pobre e
confusa vítima de sua maldição e o que eu queria mesmo era matar
um assassino. O pobre sujeito soltou devagar o meu braço e suspirou
fechando os olhos.
— Descanse em paz.
Falei dando uma última olhada para ele antes de fechar a
tampa do caixão. Zac, que já havia guardado a arma, estendeu sua
mão que segurei e me puxou para fora num segundo.
— Você está bem? - ele quis saber.
— Estou ótima.
— Ok, vamos fechar isso e ir atrás dos responsáveis.
Decidiu Lídia. A tampa foi colocada com a mesma substância
que fora usada minutos atrás no mausoléu.
— Você se saiu muitíssimo bem Lavígnia, levei um susto e
tanto quando ele acordou, achei que você fosse dar um pulo de lá. -
Lídia contou enquanto íamos para o carro.
— Também levei um susto, mas foi fácil controlar.
— Você foi ótima, gata. Mas com vampiros que estão correndo
por aí é bem diferente.
— Posso imaginar, Zac. Mas não vejo a hora, mesmo assim, de
encontrar um. - falei dando a volta no carro.
— Tenho certeza de que um ou outro vai aparecer lá no show.
Essas aglomerações são perfeitas para eles. - falou Lid ao sentar-se no
banco de trás.
— Muitas vítimas para escolher – Zac assumiu o volante – o
maior problema é que estão transformando as vítimas.
— Sabem que levei um tempo para entender esse conceito
confuso? - falei.
— Qual? - perguntaram.
— Que se uma pessoa for mordida por um vampiro e isso não
provocar sua morte, ela ficará exatamente igual. Mas se a mordida
for a causa da morte ou ser mordida à beira da morte, vira um
vampiro.
— Até que por um lado isso é bom, magine em toda a história
do planeta todas as vítimas de vampiros virando vampiros? - Zac
propôs. propôs.—
— Quase o mundo inteiro seria de vampiros. - conclui.
— Com certeza. - disse Lid – Bem diferente do caso dos
lobisomens que se morderem alguém, essa pessoa será amaldiçoada
também.
— É, mas geralmente lobisomens preferem matar suas vítimas
para não condená-las à sua terrível sina. Porém durante as primeiras
luas cheias ficam descontrolados e podem acabar criando outros.
— Confesso que esses sim me dão medo. - falei.
— Normal, é a aparência bem longe da humana que assusta. -
explicou ele.
— Eles são muito feios, Zac? - Lid perguntou.
— Você já matou um? - perguntei assustada e ele riu.
— Já sim, matei três. Dois no Brasil e um na Alemanha. São
horríveis Lídia, a verdade é que não lembram muito nem um lobo
nem um homem. Difícil de explicar.
— Há algumas fontes que afirmam que vampiros podem
transformar-se em lobisomens. Mas isso não faz sentido. - disse eu.
— Não faz mesmo. São duas criaturas totalmente diferentes,
lobisomens são transformados 7 noites consecutivas a cada mês e
depois levam uma vida normal. Já os vampiros não conseguem fugir
do que são nem por um instante. - Zac explicou.
— E também porque são inimigos sobrenaturais, se um
vampiro morder um homem com a maldição do licantropo vai ter
total controle sobre ele e a mordida de um lobisomem pode matar
um vampiro.
— É... por mais estranho que pareça o mundo sobrenatural
tem um equilíbrio. - constatei embora já soubesse desse fato.
— Pois é... e nós somos parte da guarda constante desse
equilíbrio. - Zac falou.
— Queria conhecer outros caçadores sobrenaturais. - confessei
achando a ideia empolgante.
— Eu também. - Lid concordou.
— Há os cães do submundo no País de Gales, estraçalham
qualquer coisa que não pertença ao mundo real. Mas acho que não
seria uma boa ideia topar com um deles já que também não somos
exatamente seres-humanos normais. - Zac disse enquanto
estacionava o carro. - Chegamos. Fiquem atentas gurias, se tiverem
vampiros aí vão querer briga.
— Estou contanto com isso.
Falei animada tirando a pistola da bolsa e a colocando em
minhas costas presa na minha calça. Coloquei o celular num bolso e
dinheiro no outro. Não queria estar usando uma bolsa caso lutasse
com um vampiro.
— Então bora. - disse ele e todos saímos.
— Bah, o lugar é grande. - verificou Lídia.
— É mesmo.
Sim, era. Uma casa de shows do tamanho de uma ginásio de
vôlei. O estacionamento era bem comprido a ainda havia carros
parados na rua mesmo. Indício de que o local estava lotado, seria
como encontrar agulhas num palheiro, poderia levar a noite toda.
Porém isso não me importava nada, eu queria e eu ia matar naquela
noite.
*
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