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sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Capítulo 3 - Uma Nova Mulher



                                           3.Uma Nova Mulher


Ficamos naquele bar até umas dez da noite. Rimos,

conversamos e nos divertimos como há tempos não

fazíamos... muito tempo. Acabei exagerando um pouco na

vodka e tudo ficou rodando e muito engraçado, então resolvi tomar

um banho antes de dormir. Quando saí do box me deparei com

minha imagem nua no espelho grande do banheiro. Os meses de

treinamento tinham deixado meu corpo em perfeita forma, como eu

nunca consegui ficar nem me acabando de malhar.

Descobri que eu era linda, sexy e poderia ser muito

provocante. Estava prestes a completar 25 anos e nunca tinha tido

tanta vontade de ser mulher. A garota bobinha tinha realmente

morrido, eu só precisava sepultá-la. E eu faria isso no dia seguinte.

No entanto seria melhor se eu não acordasse mais cedo, entretanto

isso não aconteceu. Acabei dormindo demais não sei dizer se pelo

excesso de bebida da noite anterior ou pela mudança brusca do fuso

horário. Mas o importante era que eu tinha descansado muito bem

pois os próximos dias dias seriam bem intensos, pelo menos isso eu

planejava.

Era por volta de onze e quinze da manhã quando saí da cama,

procurei não fazer barulho pois as garotas estavam dormindo. Vesti

uma das últimas roupas que tinha – um macaquinho vermelho –

peguei todos os meus cartões de crédito e depois de comer alguma

coisa, saí. Passei por várias lojas e em todas elas comprei exatamente

tudo que tinha proposto, roupas sexys, apertadas, transparentes,

decotadas e curtas. Claro que não tudo na mesma peça. Também

calçados que antes não passaria nem perto, muito salto alto, botas e

salto agulha. Além de renovar toda minha maleta de maquiagem e

acessórios. Deixei todas as sacolas no carro e passei no salão de

beleza para me livrar daquele cabelo comprido que eu só podia usar

preso e trançado.

O cabeleireiro fez um corte médio e repicado, idêntico ao da

Penélope Cruz em Piratas do Caribe 5 só que numa versão mais

longa. Amei o resultado. Ficou incrível. Saí de lá me sentindo uma

nova mulher mas só faltava um pequeno detalhe, pensei tocando o

pingente com a insígnia dos caçadores em meu pescoço, e o melhor

de todos. Sendo assim, marchei decidida para o estúdio do tatuador.

— Que interessante – disse o tatuador examinando a insígnia

que lhe entreguei – é bem bonito, nunca tinha visto antes.

— É uma herança de família, bem exclusivo eu acrescento e

quero que você nunca faça esse desenho em mais ninguém.

— Tranquilo... onde você vai querer?

— Aqui. - virei e apontei a maldita borboleta azul – pode

cobri-la totalmente?

— Com certeza, pode sentar, vou copiar o desenho.

Ele começou a copiar o desenho que colocara sobre a minha

pele e eu já começava a sentir-me aliviada, aquele era o último laço

que me unia ao maldito Damian. Cobrir com o símbolo dos caçadores

era como lavar a minha honra, só uma parte pois a outra seria lavada

pelo sangue daquele imbecil.

— Tá feito – disse ele entregando-me o medalhão – vamos

começar. começar.—

— Perfeito.

As agulhadas que senti pela meia hora seguinte foram como

um prazer masoquista. Uma pequena punição pela minha estupidez

monumental em me apaixonar por um ser sem alma e sem

escrúpulos também.

— E aí, ficou bom? - ele perguntou enquanto eu olhava no

espelho a águia com as três espadas cruzadas em minhas costas.

— Está incrível, exatamente como eu queria.

O tatuador sorriu satisfeito mas não mais do que eu,

certamente. Agora sim, eu era uma nova mulher. Só me faltava um

pequeno detalhe para que me sentisse completamente autoconfiante:

matar um vampiro. Havia muitas outras criaturas maléficas que eu

poderia matar, mas nenhuma me daria tanto prazer quanto um

vampiro. Enquanto eu não pudesse matar Damian, iria descontar nos

de sua raça maldita que cruzassem meu caminho. Exceto por um,

alguém que por uma piada do destino iria em breve aparecer, mas

isso eu conto depois.

Mas por enquanto eu não via a hora de sair e conseguir isso.

Voltei para casa bem no final da tarde e não encontrei ninguém,

estava tudo silencioso e mergulhado na semiescuridão do começo de

noite. Eu não precisava mesmo de ajuda para levar todas as 60

sacolas de compras para meu quarto.

Passei um bom tempo organizando e guardando tudo

enquanto ouvia heavy metal naquela mesma rádio que tinha

descoberto. Foi então que o celular tocou e descobri que o tinha

deixado em casa. Xinguei a mim mesma pela idiotice de esquecê-lo,

quando atendi minha irmã pediu que eu fosse para a casa da família

Otman pois algo estava acontecendo. Aquilo já foi o suficiente para

deixar-me animada. Algo estava acontecendo! Ótimo! Será que

entraríamos em ação?

Escolhi para vestir uma calça jeans preta e totalmente justa e

uma blusinha sem alças com bojo frisado também preta e justíssima.

Uma botinha de cano curto, salto agulha e ponta redonda. Como

ainda não era verão e a primavera na serra do Rio Grande do Sul era

ainda bem fria, com alguns períodos de calor, peguei também um

casaquinho preto com uma onça dourada estampada nas costas e

uma garra na frente.

Fiz uma maquiagem quase básica porém linda. Caprichei no

delineador e na máscara de cílios e nos lábios um batom bem

vermelho com brilho. Fiquei muito satisfeita com a pessoa que o

espelho me mostrou.

— Olá, nova Lavígnia.

Disse para a mulher bonita e extremamente provocante. Nem

dava para acreditar que eu era ela! Demais! Queria ver a cara do

infeliz do Damian quando me visse. Iria ter que engolir tudo o que

disse, cada palavra.

“Acha mesmo que uma garota sem a menor graça como a

Lavígnia conseguiria tomar o seu lugar?”

A pergunta dele para aquela cadela imortal veio à minha

mente e eu trinquei os dentes.

— Será mesmo seu desgraçado?

Falei sozinha. Nossa hora iria chegar e minha vingança seria

lenta e muito saborosa... pelo menos para mim. Dei uma risadinha

cheia de maldade e peguei uma das minhas novas bolsas, pequena,

de couro vermelho e alça de corrente. Caso não tivesse nenhuma

missão para cumprirmos naquela noite eu sairia, iria ao Corujão ver

Joice e tomar alguma coisa. Saí e peguei o carro, enquanto dirigia fui

ouvindo a música Poison do Alice Cooper:

“Sua cruel artimanha, seu sangue como gelo,

um olhar poderia matar, minha dor

é sua excitação... eu quero te machucar

só para ouvir você gritar meu

nome... você é veneno”

Aquela música é absolutamente perfeita! Consegue me definir.

Pois agora eu era uma mulher sexy e perigosa, a única diferença era

que Damian não me amava e nem me desejava e por um lado isso era

muito bom para ele. Pois se me amasse isso seria mais um trunfo em

minhas mãos e ele sofreria em dobro. Mas ele não sentia nada por

mim, eu era apenas uma enfadonha missão para ele e ele o objeto da

minha vingança! Fui cantando enquanto ia para a casa dos Otman, o

portão estava aberto e assim que estacionei, Léo saia da casa deles.

Ele parou e caminhou até perto do carro.

— Oi Laví...

Ele parou imediatamente de falar quando fechei a porta do

carro. Seus olhos percorriam meu corpo e ele nem escondia a boca

aberta. Eu sorri satisfeita, primeiro homem a aprovar minha

mudança.

— Oi Léo, e aí o que está acontecendo por aqui?

Indaguei aproximando-me dele e então olhou meu rosto.

— O quê? - ele perguntou totalmente perdido, estava claro o

quanto estava surpreso.

— Ágatha pediu que eu visse aqui pois algo estava

acontecendo.

— Ah claro – ele riu bem sem graça enquanto passava a mão

pelos cabelos loiros desarrumados – eles estão ali na casa do vô.

Vamos lá.

— Claro.

O acompanhei até a cozinha grande da casa da tia deles.

Assim que entrei todos me olharam com expressão de espanto,

menos Zac que sorriu de forma maliciosa me examinando, pareceu

muito satisfeito. Mas não fiquei prestando atenção na reação deles, o

que monopolizou minha atenção foram as armas em cima da mesa.

Eu tinha certeza que uma delas era minha e fiquei muito mais

animada que antes.

— Oi gente. - cumprimentei a todos e um coro de respostas foi

seguido – Por favor digam que uma dessas é minha.

— É claro né gata? - minha irmã levantou-se e tocou meus

cabelos – E esse look novo? Tá poderosa.

— Resolvi mudar um pouquinho. - respondi.

— Um pouquinho? Você está um arraso! - disse minha prima.

— Valeu.

— Lavígnia você está linda.- disse Lídia com a doçura de

sempre.

Eu sorri e quando fui responder Neitan saiu na frente

mudando totalmente o assunto.

— Bem, como eu dizia – ele continuou a conversa que estavam

mantendo antes de eu chegar – vamos nos separar em três grupos,

um vai para o cemitério e os outros vão fazer a varredura nos locais

onde as vítimas foram encontradas, aqui e aqui.

Ele apontou num mapa aberto em cima da mesa e eu tive que

falar algo pois não estava entendendo nada.

— Peraí... cemitério? - indaguei confusa.

— É, a polícia da cidade vizinha encontrou dois corpos na

noite passada. Um estava sem uma gota de sangue no corpo e outro

tinha o pescoço quebrado e uma lesão bem séria – Zac me explicou –

isso é coisa de vampiro recém-criado, muito amador pois chamou

bastante atenção. As vítimas morreram em decorrência das mordidas

e vão acordar, precisamos impedir.

— Entrando num cemitério, abrindo túmulos e estacando

cadáveres? - resumi.

— Ao melhor estilo Van Helsing. - ele sorriu.

— Ah, eu estou fora desse grupo aí – minha prima se adiantou

- odeio cemitério, odeio mesmo.

— Sem problemas, você e Léo podem fazer a área leste. É um

local conhecido por ser um ponto de prostituição então tem vários

tipos de pessoas por lá. Bem fácil para um vampiro escolher uma

vítima. - Neitan os organizou como um verdadeiro líder.

— Por mim tá beleza. - concordou Léo colocando o pente na

pistola em sua mão. - E tu Mari?

— Tá ótimo.

— Eu fico com o cemitério – disse Lídia mostrando a mulher

corajosa que era por trás de sua aparência angelical – já vai dar 24

horas e essas pessoas vão acordar logo. Gosto de libertá-las enquanto

não experimentaram a maldição.

— Eu vou contigo. - disse eu.

— Mas vocês não podem ir sozinhas, nenhuma das duas

conhece São José dos Ausentes. - observou Zac.

— Tá, então você vai com elas e eu vou com a Ágatha. -

decidiu Neit e eu tive a mais absoluta certeza de que ele estava me

evitando descaradamente.

— Para que lado vamos?

Minha irmã perguntou a ele e eu não prestei atenção na

resposta, pois peguei uma das pistolas automáticas. Só de segurá-la

me senti mais forte e autoconfiante, a sensação era de poder e força.

Eu amei.

— Espero que ainda lembre como usar uma dessas. - Zac disse

com um daqueles seus sorrisos devastadores enquanto parava bem

pertinho de mim.

— Oh se lembro, mal vejo a hora de usar na verdade. - quase

sussurrei.

— Será que você vai se revelar uma predadora perigosa? -

disse ele no mesmo tom e eu dei um sorriso de canto.

— E você está louco para ver isso.

— Ah eu estou... bastante. - disse ele provocante.

— Bem – Neit falou alto chamando nossa atenção – se vocês

dois já terminaram – ele nos olhou parecendo irritado e eu devolvi

seu olhar mas com muita ironia – depois que terminarem de matar

essas vítimas vão para o The Rocky no centro, vai ter o show de uma

banda que faz cover de bandas rock dos anos 80. Vai ter muita gente

por lá e com certeza isso vai atrair semi-imortais.

— Nossa, sangue e rock'n roll para essa noite ficar melhor só

beijando uma gata bem sexy.

Zac disse todo sedutor para o meu lado e eu sorri e travei a

arma que fez aquele “creck” então bati com o cano dela em seu peito.

— Prefiro só o sangue e o rock.

— Então bora que só temos até o amanhecer.

Disse Léo mordendo uma maçã e se encaminhando para a

porta. Zac pegou uma mochila preta e pôs no ombro.

— Vamos no seu carro?

— Vamos, pega aí. - joguei as chaves para ele enquanto

guardava a arma na bolsa. - você dirige.

Então todos saímos, Neit não me olhou nem mais uma vez e

eu comecei a achar até engraçada a situação, mas no momento que

me irritasse eu iria amansá-lo direitinho. O céu ainda estava claro

mas uma lua crescente e tímida brilhava bem pálida. Calculei que

chegaríamos a São José dos Ausentes quando a noite tivesse caído

por completo.

— Vou ter que levar uma pá no seu carro, espero que não se

importe. importe.—

— Até parece, não vamos abrir sepulturas com as mãos. - falei.

— Estou torcendo para que não sejam túmulos convencionais

pois ficar cavando é um saco. - falou ele colocando a mochila e a tal

pá no porta-malas.

— Aí – minha irmã surgiu ao meu lado – te cuida, valeu?

— Não esquenta, te cuida também.

— Capaz, eles que se cuidem de mim.

Disse ela ameaçadora ao colocar as mãos na cintura e depois se

afastou na direção da moto harley que Neit ligava. Aí então me dei

conta que absolutamente todos nós estávamos de preto, totalmente

de preto. Uma equipe e tanto, pensei abrindo a porta do carro. As

luzes do jipe amarelo nada discreto de Léo se acenderam e Zac

entrou no carro um pouco depois de Lídia acomodar-se no banco

traseiro.

Assim que aquele cara assumiu a direção, consequentemente

depois de fechar a porta, seu perfume amadeirado com uma mistura

de pinho encheu o ambiente. Dei uma examinada nada discreta nele,

além da calça jeans preta ele usava uma camisa de manga comprida

que conseguia ficar apenas um pouquinho distante daqueles

músculos. No pulso um relógio grande e uma postura de homem

dominador e autoconfiante.

— Tomara que você não tenha só One Direction e Restart aqui

– disse ligando o rádio e Live and Let Die1 do Guns n' Roses estava

tocando na estação que eu vivia ouvindo – Opa, me enganei.

— Eu tenho cara de quem ouve One Direction?

— Tinha na verdade. - ele foi sincero enquanto saíamos da

propriedade, Neitan foi na frente e nós no meio com o jipe de Léo

logo atrás.

— Falou certo usando esse verbo no passado. - garanti.

— Vocês dois calem a boca pois eu ouço One Direction e até

Back Street Boys ainda. - protestou Lid lá atrás e nós rimos.

1 Do inglês Viva e Deixe Morrer, trilha sonora do filme Exterminador do Futuro

— Bah priminha, como é que você se prepara para sair

matando geral ouvindo músicas de garotinhas?

— Aff, não são músicas de garotinhas, são homens que cantam

seu machão metido a besta. - replicou ela.

— Nossa, e eu pensava que você brigava só com o Léo. - falei.

— A Lid só tem cara de boazinha, Lavígnia. Essa mulher é

brava que tu nem imagina.

— Sério, Lid?

— Não muito, é que os homens da minha família nasceram

com um dom para irritar-me. Eles implicam com absolutamente tudo

que eu faço. - reclamou ela e eu entendi.

— Sabe, isso tem cara de superproteção. Você é a única garota

da família a ser caçadora, acho que eles se sentem seguros tratando

você como uma menina ainda.

— Não é que faz sentido. - concluiu ela e aí me dei conta de

uma coisa.

— Zac, por que sua irmã não participa das reuniões e nem

virou uma caçadora? - indaguei e um silêncio imperou – O que foi?

Eu disse algo errado?

— Não... - disse ele depois de pigarrear – tudo bem é que... é

um assunto meio complicado sabe?

— Se não quiser contar tudo bem. - assegurei.

— Tudo bem, é que a Catarina não é filha do meu pai –

revelou ele e eu mordi o lábio, opa assunto sério – Meus pais se

separaram por um tempo e a mãe teve um relacionamento com outro

homem, daí a Cati nasceu. Um tempo depois meus pais voltaram e o

pai assumiu a criança.

— Hum... e aquela família que vive com vocês? Eles sabem de

tudo, né? Por quê? - eu já estava muito curiosa sobre isso.

— Ah isso – ele deu um sorriso de canto – essa amizade vem

de gerações, viu?

— Sério? Que legal.

— É... nossas famílias se conheceram quando os Von Otman

chegaram ao estado. Os Nunes eram índios que praticavam uma

magia muito poderosa por aqui, nunca foram atacados por nenhuma

criatura maligna. Logo viraram amigos por terem pontos em comum.

— Nossa... que história.

— Pois é, né? - Lídia falou – Eles são ótimos, não têm nenhum

poder sobre-humano mas conseguem afastar qualquer tipo de mal.

— Como?

— Eles fazem amuletos mágicos e tal. - Zac respondeu.

— Isso é incrível. - falei admirada mesmo.

Fomos conversando sobre isso pelo caminho que não durou

muito. Enquanto passávamos pela rodovia em certo ponto vi ao

longe um local bem iluminado e várias pessoas, parecia uma festa

mas estava muito longe. Não consegui ver muita coisa mas fiquei

curiosa. Assim que entramos na cidade vizinha o comboio separouse,

cada um seguiu de acordo com o plano. Nós fomos para a área

norte da cidade, o cemitério ficava num lugar bem isolado, isso é

típico de cidades do interior.

Fiquei meio relutante assim que o carro parou ao lado do

cemitério onde aquelas vítimas foram sepultadas. Não tinha

nenhuma iluminação nem cercas, os túmulos ficavam entre uma e

outra árvore, o ambiente era bem sombrio.

— Vamos lá.

Disse Zac saltando para fora sendo seguido imediatamente

por Lídia. Respirei fundo e os segui.

— Cara, isso é muito assustador. - disse Lídia cheia de razão.

— Concordo. - falei.

— Sempre é, mas temos que libertar duas pessoas da

maldição. Vamos nos separar e procurar os túmulos, peguem.

Ele deu para cada uma de nós uma lanterna. Eu a liguei e dei

uma conferida ao redor, a maioria dos túmulos era pintada de branco

mas havia alguns tão antigos que exibiam apenas um cinza frio e

manchas de mofo causadas pela chuva.

— Ok, vamos lá. - falei tomada de coragem – eu vou por aqui.

— Certo, se vocês acharem primeiro que eu me chamem, não

quero nenhuma de vocês duas abrindo túmulos.

— Affs, por quê? Você acha que não somos capazes? - fiquei

meio ofendida.

— Tenho certeza que vocês podem mas não na primeira

caçada da vida de vocês. - replicou ele com razão.

— É como a Lavígnia disse, superproteção. - disse Lid.

— Pois é gatinhas, é melhor se acostumarem por enquanto.

— Oin que fofo - brinquei – Mas não preciso de ninguém para

proteger-me viu, bonitão? - Apontei a lanterna no rosto dele e Zac

pôs a mão na frente.

— Eu vou pelo outro lado.

Disse Lídia indo pela direita e eu pela esquerda, Zac seguiu

em frente. Era estranho que num lugar com uma imensa área verde

como aquela não houvesse grilos, aquilo era apenas um indício de

que a maldição estava presente naquele local. Eu caminhava devagar

apontando a lanterna para os túmulos, me doeu muito encontrar dois

túmulos pequeninos. Tão pequenos que só poderiam ser de bebês,

parei um instante olhando para eles. É, certamente cemitérios não são

lugares legais, pensei antes de seguir em frente. O chão era de terra

mesmo e não tinha calçada nada parecido com os cemitérios da

capital.

Eu caminhava prestando atenção nos nomes nas sepulturas

quando um aroma suave de flores frescas chamou minha atenção.

Vinha da direção diagonal de onde eu estava, atravessei dois

corredores e vi na porta de um mausoléu uma coroa de flores

brancas. O nome acima da porta condizia com o nome de uma das

vítimas, uma garota. Virei para trás e vi ao longe a lanterna de Lídia

mas não achei uma atitude muito inteligente dar um grito logo ali.

Sendo assim, mandei uma mensagem no whatsaap para os dois.

“Achei ela. Terceiro corredor.”

E esperei, claro. Era a primeira vez que eu caçava e

francamente violar sepulturas não era bem o que eu tinha planejado.

Logo eles estavam ao meu lado.

— Achou rápido. - Lid falou.

— Pareceu ser de uma família importante, é o único mausoléu

aqui. - disse Zac examinando a porta.

E era bonito, claro de uma forma mórbida, mas era. Todo

construído de pedras de um tom cinza-esverdeado, portas duplas de

madeira nobre e formas arredondadas em sua arquitetura.

— Não está trancado – constatou ele antes de tirar a coroa de

flores e empurrar a porta – Está ali.

Zac apontou a lanterna para um quadro alto no meio da

parede. Havia oito sepulturas, quatro em cada lado, um já totalmente

preenchido, outro com três túmulos ocupados.

— Lavígnia, segura isso.

Zac pediu entregando-me uma luminária de emergência com

uns trinta centímetros de comprimimento e cinco de largura. A luz

que ela produziu iluminou o ambiente inteiro.

— Malditos vampiros, olha só, ela só tinha vinte e um anos. -

falou Lid maneando a cabeça.

— É, eles não têm nenhum traço de piedade por ninguém –

disse ele ao largar a lanterna no chão – coisa de semi-imortal sem

nenhuma experiência.

— Verdade, se tivessem um mestre ela não seria largada, iriam

usá-la de alguma maneira. - Lid completou.

— Espero que possamos achar os responsáveis por isso hoje

mesmo. - falei com uma raiva imensa.

— E se não acharmos, continuaremos voltando até achá-los e

mandá-los para o inferno – disse ele convicto – segura aí Lid e puxa

devagar, não queremos quebrar essa placa e dar pista que estivemos

aqui.

— Com certeza, vamos lá... 1,2,3.

Então os dois descolaram uma placa sólida de mármore que

fora chumbada com concreto na parede como se fosse um adesivo.

Depois de a colocaram de lado, puxaram com cuidado o caixão de

madeira brilhante. Era daqueles que segue o formato do corpo e

parafusado dos lados. Está bem, eu admito, estava em pânico! Aquilo

era horrível, o pesadelo que toda criança já teve e um pavor que faria

qualquer adulto tremer. Eu me senti naquela cena do clássico livro

Drácula em que o doutor Van Helsing e John abrem o túmulo da

jovem Lucy para cortar-lhe a cabeça e perfurar-lhe o coração.

Bem, até que a literatura não anda muito longe da realidade,

mas nesse caso apenas qualquer objeto perfurante cravado no

coração o impedirá de voltar a bater. Sim, o coração deles bate. Mas

isso acontece muito lentamente, tanto que eu, mesmo tendo deitado

várias vezes no peito de Damian, nunca pude sentir. O coração bate

quase parando, a pele vai esfriando à medida que eles não se

alimentam. Os semi-imortais até envelhecem, muitíssimo devagar

mas envelhecem até se tornarem tão fortes que a imortalidade não

lhes é mais um desafio.

Os imortais conseguem resistir a luz solar sempre entre meio

dia e três horas da tarde. Parece um paradoxo pois é quando a luz do

sol está mais forte. Mas só conseguem resistir por poucos minutos.

Embora não haja uma verdade absoluta quanto a nada no mundo

sobrenatural, em todos os casos as criaturas correspondem ao

imaginário da população local. Há vários e distintos casos, cada um

deve ser estudado antes que possamos sair atrás das criaturas, há

alguns locais no interior da Europa onde as lendas relatam que um

vampiro só pode ser morto pela estaca feita de algumas árvores

locais e realmente é o que acontece.

Em alguns locais os moradores atribuem doenças e mortes na

família à um parente morto acusado de ser vampiro. Chegam a abrir

a sepultura e retirar o coração do morto, queimam e misturam as

cinzas com água que é dada de beber à família e a maldição cessa.

Outros povos enterram foices perto da sepultura de seu parente afim

que o mesmo não se transforme num vampiros, outros chegam até

mesmo a decepar a cabeça e colocá-la nos pés do cadáver. O

importante é respeitar cada tradição pois todas têm pelo menos o

caminho a seguir. Contudo a forma mais aceita em todas as culturas

é que balas de prata conseguem matar qualquer criatura, e isso de

fato é verdade.

Voltei minha atenção para a cena pavorosa em minha frente,

aqueles dois já tinham aberto o caixão e uma bela jovem de pele

claríssima e cabelos escuros jazia como se estivesse apenas dormindo.

O triunfo de desafiar a morte fazia com que todos os que eram

transformados exalassem vida.

Claro que apenas por algum tempo até a morte mostrar-se em

suas faces.

— Ela nem parece morta. - Lídia observou.

— E não está, bem... nem viva nem morta. É uma pena, é tão

linda. - Zac falou ao tirar da mochila uma pequena estaca de madeira

de uns 20 centímetros.

— Não perca tempo, quero sair logo daqui. - falei realmente

incomodada.

— Está com medo, é? - ele debochou e eu vi os olhos da mortaviva

moverem-se levemente sob as pálpebras fechadas.

— Ela está acordando, Zac! - quase gritei.

— Anda logo. - Lídia também parecia nervosa.

— Ok.

Ele concordou colocando a estaca bem no meio do peito dela,

onde fica o coração. Nesse momento os lábios dela começaram a

mover-se e recuar sobre os dentes já afiados. A transformação estava

quase concluída e ela ainda inconsciente tentava lutar com Zac. Com

a palma da mão sobre a base da estaca e com um só movimento ele

enterrou a estaca quase até o fim. A jovem soltou um longo suspiro e

então seu corpo ficou totalmente imóvel. Estava realmente morta.

Lídia fez o sinal da cruz e sussurrou algo que não pude entender.

— Agora você poderá descansar em paz – Zac disse para a

moça – vamos acabar logo com isso.

Então os dois parafusaram a tampa do caixão e o colocaram

novamente no lugar.

— Não achei que isso seria tão estressante. - Lídia

confidenciou parando ao meu lado.

— Nem eu... não há treinamento que nos prepare realmente

para uma cena dessas. - respondi.

— Isso aqui foi tranquilo meninas – ele dizia enquanto

passava uma substância escura em torno da parte interna da lápide –

o ruim é quando se abre a tampa do caixão e o sujeito pula em cima

de você. Por isso nunca se abre uma sepultura sem companhia.

Ele terminou enquanto segurava a lápide contra a parede e eu

e Lídia trocamos um olhar de apreensão.

— Acho que nunca vou acostumar com isso. - disse ela.

— Vai sim, nossa família faz isso há séculos – disse Zac

colocando a mochila no ombro – tá no seu sangue.

— Espero que ainda esteja no meu, já que minha família

resolveu esconder-se por mais de um século. - falei quando já

tínhamos saído.

— Sempre esteve Lavígnia. A prova é que vocês voltaram. -

Lid disse dando um empurrãozinho no meu ombro.

— Temos que achar o outro, vamos nos separar outra vez. Eu

vou para o mesmo lado de antes. - decidiu ele.

— Tá eu vou para o mesmo também.

Disse Lídia afastando-se e eu dei de ombros e continuei em

frente. Confesso que ainda estava bem chocada com a cena de agora

a pouco. Embora tivesse sido treinada para controlar minhas

emoções, a prática era bem diferente da teoria. Disse a mim mesma

que aquilo se tornaria constante e que logo me acostumaria, então

não havia problemas. Mas eu sou obrigada a admitir que cemitérios

não são um dos meus locais favoritos.

Tudo que eu podia ouvir eram meus passos abafados e, agora

sim, grilos ao longe. Passei por uma sepultura que parecia muito

velha, a lápide estava bem inclinada para o lado. Então tive a

impressão de que algo passou atrás de mim, virei rápido apontando

a lanterna e me deparei com uma enorme coruja cinza pousada sobre

a cruz de uma sepultura. Meu corpo todo entrou em estado de alerta.

Podia ser o infeliz do Pietro. Aquele idiota conseguia se transformar

em aves e eu nem entendia porquê, em meus estudos no Vaticano

não encontrei que vampiros pudessem executar esse tipo de

metamorfose. Alguns podiam se transformar em lobos maléficos e

vampirescos ou em morcegos, mas em aves? Não achei nenhum.

Olhei para aquela criatura com toda a desconfiança possível e

então notei logo abaixo da cruz um buraco onde filhotes espiavam

curiosos minha presença ali. Dei um suspiro rápido. Era apenas uma

coruja normal que resolvera fazer seu ninho no cemitério. Não havia

motivos para a paranoia, pelo menos não ainda. Eu queria encontrar

Damian, mas não queria que ele fosse procurar-me em minha casa.

Se aquela coruja fosse Pietro metamorfoseado, era certo que contaria

ao imbecil que certamente iria atrás de mim.

A hora de nosso encontro iria chegar. Mas primeiro eu

gostaria de arrancar o coração de alguns vampiros para praticar.

— Achei!

A voz alta de Zac espalhou-se pelo silêncio daquele lugar

como se tivesse sido um grito. Virei procurando de onde vinha a voz

e rumei para lá com uma ideia. Quando cheguei em frente à

sepultura branca com uma coroa de flores em cima, Zac tirava

algumas ferramentas da mochila que estava no chão.

— Vamos ter que quebrar o cimento que prende essa tampa

ou ela vai quebrar se tentarmos puxar.

— Sem problemas, me dê uma aqui.

Falei ganhando dele a tal ferramenta que Lídia também pegou.

Dei a volta e agachei-me, quebrar aquele cimento já totalmente

endurecido foi tão fácil quanto quebrar isopor com uma caneta. Para

eles também foi e logo aquela sepultura já podia ser aberta.

— Vocês duas, segurem a tampa perto da lápide.

Zac ordenou e eu não curti muito a ideia.

— Eu vou matar este. - garanti.

— Tem certeza? - Zac pareceu em dúvida.

— Ei, esta noite é a minha primeira e até agora não acabei com

a raça de nenhum vampiro.

— Você tem razão... mas achei que ficaria um pouco

medrosa... que precisaria de mais tempo para acostumar-se. -

continuou ele.

— Achou errado. Dê-me uma estaca e ajude Lid a segurar essa

tampa.

— Hum... a predadora – sorriu de canto e me deu a tal estaca –

vai em frente. Lídia pegue sua arma e destrave, se ele atacar nós

atiramos.

— Certo.

Disse ela pulando como um gato para perto da lápide e numa

atitude rápida e eficiente ela puxou a tampa, que segurou com

apenas uma mão, e com a outra segurava em punho a arma que

apontava para o escuro daquele túmulo. Zac ao perceber que ela

podia se virar muito bem sozinha, sacou a arma e colocou-se ao lado

da sepultura.

— Dê um golpe certeiro e único, nunca hesite para não correr

o risco de ser atacada. - ele me orientou e eu assenti.

— Tá bem.

Concordei e me aproximei do buraco onde jazia um caixão

diferente do primeiro. Era daqueles com a tampa com dobradiças e

dividida em duas partes. A luz tímida do luar juntos com a lanterna

que Zac apontava eram suficientes para eu conseguir ver tudo. Para

nossa sorte, era uma sepultura construída e projetada para não levar

terra, apenas ter a tampa chumbada com cimento era o suficiente.

Pulei ansiosa e com a adrenalina à mil em meu sangue. Parei

com um pé em cima da parte de baixo do caixão e o outro do

pequeno espaço que sobrava. Apenas puxei a tampa e ela abriu sem

nenhuma resistência. Então o vi. Um homem negro e jovem, devia ter

minha idade. Claro que nada em seu rosto denunciava a morte,

estava perfeito. Quando cheguei mais parto para executar minha

tarefa, levei o maior susto.

O cara abriu seus olhos que ardiam em tom de vermelho

quase incandescente e segurou meu braço com uma força absurda.

Parecia totalmente confuso e eu odiei que já tivesse experimentado a

maldição de ser uma criatura das sombras. Já havia passado pela

horrível morte nas garras de um vampiro e agora morreria de novo

como um deles. Minha compaixão se transformou em convicção

quando ele mostrou seus dentes pontudos para mim na clara

intenção de atacar-me.

— Rápido Lavígnia!

Zac ordenou apreensivo e então com apenas um golpe, forte e

veloz, cravei aquela estaca em seu peito. A sensação foi ótima, mas

ainda não era o que eu queria. Ali eu estava libertando uma pobre e

confusa vítima de sua maldição e o que eu queria mesmo era matar

um assassino. O pobre sujeito soltou devagar o meu braço e suspirou

fechando os olhos.

— Descanse em paz.

Falei dando uma última olhada para ele antes de fechar a

tampa do caixão. Zac, que já havia guardado a arma, estendeu sua

mão que segurei e me puxou para fora num segundo.

— Você está bem? - ele quis saber.

— Estou ótima.

— Ok, vamos fechar isso e ir atrás dos responsáveis.

Decidiu Lídia. A tampa foi colocada com a mesma substância

que fora usada minutos atrás no mausoléu.

— Você se saiu muitíssimo bem Lavígnia, levei um susto e

tanto quando ele acordou, achei que você fosse dar um pulo de lá. -

Lídia contou enquanto íamos para o carro.

— Também levei um susto, mas foi fácil controlar.

— Você foi ótima, gata. Mas com vampiros que estão correndo

por aí é bem diferente.

— Posso imaginar, Zac. Mas não vejo a hora, mesmo assim, de

encontrar um. - falei dando a volta no carro.

— Tenho certeza de que um ou outro vai aparecer lá no show.

Essas aglomerações são perfeitas para eles. - falou Lid ao sentar-se no

banco de trás.

— Muitas vítimas para escolher – Zac assumiu o volante – o

maior problema é que estão transformando as vítimas.

— Sabem que levei um tempo para entender esse conceito

confuso? - falei.

— Qual? - perguntaram.

— Que se uma pessoa for mordida por um vampiro e isso não

provocar sua morte, ela ficará exatamente igual. Mas se a mordida

for a causa da morte ou ser mordida à beira da morte, vira um

vampiro.

— Até que por um lado isso é bom, magine em toda a história

do planeta todas as vítimas de vampiros virando vampiros? - Zac

propôs. propôs.—

— Quase o mundo inteiro seria de vampiros. - conclui.

— Com certeza. - disse Lid – Bem diferente do caso dos

lobisomens que se morderem alguém, essa pessoa será amaldiçoada

também.

— É, mas geralmente lobisomens preferem matar suas vítimas

para não condená-las à sua terrível sina. Porém durante as primeiras

luas cheias ficam descontrolados e podem acabar criando outros.

— Confesso que esses sim me dão medo. - falei.

— Normal, é a aparência bem longe da humana que assusta. -

explicou ele.

— Eles são muito feios, Zac? - Lid perguntou.

— Você já matou um? - perguntei assustada e ele riu.

— Já sim, matei três. Dois no Brasil e um na Alemanha. São

horríveis Lídia, a verdade é que não lembram muito nem um lobo

nem um homem. Difícil de explicar.

— Há algumas fontes que afirmam que vampiros podem

transformar-se em lobisomens. Mas isso não faz sentido. - disse eu.

— Não faz mesmo. São duas criaturas totalmente diferentes,

lobisomens são transformados 7 noites consecutivas a cada mês e

depois levam uma vida normal. Já os vampiros não conseguem fugir

do que são nem por um instante. - Zac explicou.

— E também porque são inimigos sobrenaturais, se um

vampiro morder um homem com a maldição do licantropo vai ter

total controle sobre ele e a mordida de um lobisomem pode matar

um vampiro.

— É... por mais estranho que pareça o mundo sobrenatural

tem um equilíbrio. - constatei embora já soubesse desse fato.

— Pois é... e nós somos parte da guarda constante desse

equilíbrio. - Zac falou.

— Queria conhecer outros caçadores sobrenaturais. - confessei

achando a ideia empolgante.

— Eu também. - Lid concordou.

— Há os cães do submundo no País de Gales, estraçalham

qualquer coisa que não pertença ao mundo real. Mas acho que não

seria uma boa ideia topar com um deles já que também não somos

exatamente seres-humanos normais. - Zac disse enquanto

estacionava o carro. - Chegamos. Fiquem atentas gurias, se tiverem

vampiros aí vão querer briga.

— Estou contanto com isso.

Falei animada tirando a pistola da bolsa e a colocando em

minhas costas presa na minha calça. Coloquei o celular num bolso e

dinheiro no outro. Não queria estar usando uma bolsa caso lutasse

com um vampiro.

— Então bora. - disse ele e todos saímos.

— Bah, o lugar é grande. - verificou Lídia.

— É mesmo.

Sim, era. Uma casa de shows do tamanho de uma ginásio de

vôlei. O estacionamento era bem comprido a ainda havia carros

parados na rua mesmo. Indício de que o local estava lotado, seria

como encontrar agulhas num palheiro, poderia levar a noite toda.

Porém isso não me importava nada, eu queria e eu ia matar naquela

noite.

*

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