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segunda-feira, 29 de abril de 2013

Capítulo 1



                 Capítulo 1


Colégio de Darkwest Falls
Véspera de Halloween


Os corredores borbulhavam com o movimento animado dos alunos.
Todos estavam ansiosos pela épica festa realizada no colégio da cidade todos os anos. O burburinho se espalhava pelos grupinhos formados perto das salas, porém como em todos os colégios, alguns alunos estavam simplesmente sozinhos. Os mais populares se destacavam com suas roupas de grife e esnobismo latente. Em uma cidade pequena como aquela, onde apenas um colégio existia, todos sabiam quem era quem. 

—Mal posso esperar por essa festa, é a única noite do ano em que meus pais me deixam em paz! - murmurou Kelly Vaz, sentando-se na mesa da colega Eveline. 

—Coitada de você, devia fazer como eu, sair sem dar explicações... pais são muito chatos. - retrucou a loira em seu jeito rebelde e mimado enquanto os outros alunos entravam na sala do segundo ano. 

—Você só fala isso porque já tem dezoito anos. - devolveu ela enquanto retocava o batom olhando no pequeno espelho de mão. 

—É... a mais velha e sempre mais sexy. - provou Paul Bradshaw passando pela loira e puxando de leve uma mecha de seu cabelo. 

—Eu sei que sou seu sonho de consumo Paul, mas esqueça baby, meu coração já tem dono. - afirmou com um empinar de nariz enquanto Paul sentava-se atrás dela. 

—Lá vem vocês de novo com as conversinhas sobre o capitão do time de basquete. - reclamou ele quando o quarto integrante do grupinho mais popular da escola chegou. 

—Alguém falou em mim? - Ben Navarro chegou, atirando a mochila no chão e deu um beijo discreto em Eveline. 

—Ei! Na sala de aula não! - repreendeu Kelly. 

—Qual o problema? Tá com ciúmes? - provocou Ben. 

—Ciúme o quê, garoto? Vai se enxergar... tô poupando vocês de uma advertência ou uma suspensão. 

—É... se o professor chegar agora vocês tão ferrados. - concordou Paul atirando seu caderno com capa do Iron Maden sobre a mesa. 

—E isso não seria uma coisa boa logo um dia antes da festa de Halloween do colégio. - reforçou Kelly, escorregando para sua cadeira assim que o senhor Navarro, professor de matemática, entrou no recinto. 

—É, você tem razão. Acho que te devo minha vida! - caçoou Ben tocando na orelha de Kelly que o afastou com um tapa brincalhão. 

—Silêncio turma, vamos começar a aula de hoje com geometria espacial, abram seus livros na página... 

—Com licença, professor. Posso entrar? - murmurou timidamente Cindy Lassier, parada na porta de entrada apertando seus livros contra o peito. 

—Claro Cindy, sente-se e abra seu livro na página 30, hoje nós vamos... 

—Garanto que ela estava assombrando alguém na biblioteca. - sussurrou Paul fazendo os amigos rirem. 

—Com certeza, essa garota é muito esquisita. - Kelly alfinetou lançando um olhar para a garota de cabelos pretos e muito lisos. A mais inteligente da sala e a mais ignorada também. 

Cindy Lassier era a filha única do dono do mercadinho da rua 1 onde moravam muitos dos alunos de Darkwest Falls. Sua mãe era uma dona de casa dedicada e a pequena família era aparentemente feliz. Os pais não sabiam que Cindy era uma adolescente frustrada e triste, seus amigos no colégio se resumiam a apenas Jamie, sua amiga de infância e a bibliotecária. Era alvo constante das gozações dos alunos que por alguma razão se consideravam os superiores. Mas na maior parte do tempo era simplesmente ignorada pelos outros alunos que se limitavam a achá-la esquisita. 

Ela era uma bela garota, sem dúvida. Os longos cabelos pretos eram tão lisos que faziam inveja das garotas dependentes da chapinha. Sua pele branca era perfeita e sem uma única espinha, magra como uma modelo de passarela talvez fosse sua timidez o que a afastava das pessoas. Ou talvez seu jeito soturno de se vestir, quase sempre de preto em alusão às suas bandas de Gothic Metal preferidas. Aliás, suas músicas eram seu maior refúgio, ela era uma boa garota, sempre fora. Mas naqueles dias de véspera de Halloween um mau presságio se espalhava lentamente por Darkwest Falls, o que era o paraíso para Cindy pois combinava com seu estilo sombrio de ser. 

Ao fim das primeiras aulas o movimento dos alunos em direção ao pátio e à cantina fazia barulho pelos corredores cinzas e enfeitados com morcegos, abóboras, caveiras de papelão e teias de aranha. Apesar do frio do outono, o sol brilhava radiante num céu azul profundo. Muitos alunos aproveitaram unicamente o intervalo para sentar-se à grama na frente do prédio grande. 

—Vou me vestir de Jéssica Rabit esse ano. - anunciou Eveline, tomando seu lugar na mesa da cantina que praticamente pertencia a eles. Nenhum aluno se atrevia a sentar-se ali sem ser convidado. 

—Uhul, não posso perder essa visão. Vai ficar uma gata. - assobiou Ben passando o braço em seu pescoço e lhe deu um beijo. 

—Mal posso esperar para amanhã à noite, o que vamos fazer? - Kelly indagou, animada com uma maçã na mão. 

Era clássico para eles desde a oitava série aproveitar-se da noite da festa de Halloween para escapar dos pais. Era a desculpa perfeita para fazerem o que não era permitido. 

—Soube que os nerds do colégio estão planejando gravar uma versão de Halloween para Chapeuzinho Vermelho. Podemos ir lá zoar da cara deles. - sugeriu Paul mexendo em seu celular. 

—Ah, fala sério. Que ridículo! - caçoou Eveline. 

—Sério mesmo – confirmou ele – sabe que parte do meu castigo por ter pichado a porta da diretoria é fazer parte do grupo de teatro. Ouvi eles planejando, mas me deixaram de fora. 

—E é porque te deixaram de fora que você quer se vingar? - zombou Ben, ganhando uma careta do outro. 

—Deixa de ser mané, cara! A esquisitona vai ser a protagonista. - ele indicou Cindy que ao lado de Jamie conversava com os alunos nada populares do grupo de teatro daquele ano. 

—Ah, não brinca? Isso vai ser uma piada! - riu Kelly de forma debochada. 

—Não podemos perder essa, temos que bancar os fantasmas e assustar os idiotas. - convidou Paul. 

—Então o que vai ser; gostosuras ou travessuras? - decretou a loira. 

—Travessuras! - os outros três disseram em uníssono. 

—Porque gostosura já é você. - disse Ben olhando de forma maliciosa, para a namorada. 

—Fora essa gostosura, temos que providenciar outras. - indicou Paul. 

—Esse ano vai ser mais fácil, ninguém vai ter que usar a identidade falsificada pra comprar bebidas. A Eve já tem dezoito anos. 

—É mesmo, vai ser mole. Mas tenho que comprar longe da minha casa, se meus pais me pegarem eu tô morta. - declarou ela. 

—Relaxa gata, eu te dou uma carona até o mercadinho da rua 1, seus pais nunca estão por lá. 

—Não é o mercadinho do pai da esquisitona ali? - perguntou Kelly indicando a garota que apertava um livro entre os braços enquanto ainda conversava. 

—Ah, é sim. Mas de boa, ela não vai entregar a gente. - decretou Paul. 

—É mesmo, ela é uma panaca. - disse Ben e as risadas ecoaram. - Tá legal, então estamos combinados? A travessura desse ano será acabar com a festinha dos nerds na... onde eles vão estar? - perguntou a Paul. 

—Em Black Water. - respondeu ele. 

Ora Black Water era uma floresta sombria na entrada da cidade, onde muitos aventureiros iam fazer trilha durante o verão. Porém durante o outono tornava-se um lugar inóspito e evitado. A queda das folhas das árvores e a constante neblina tornava o local um tanto fantasmagórico. Para ajudar, as lendas inventadas para assustar as crianças eram um clássico na pequena cidade. Um antigo e abandonado cemitério era a causa de tanto pavor. O próprio fora criado em 1876 para abrigar os corpos das vítimas do terrível incêndio que destruiu o primeiro asilo da cidade. O local estava abandonado há anos e a floresta penalizada o envolveu com suas árvores, fazendo-o invisível de qualquer ponto da estrada. 

—Uau! Super assustador. - Eve constatou erguendo as sobrancelhas. 

—Bem a cara daqueles estranhos. - Ben concordou. 

—Mas... dizem que Black Water é assombrando. - observou Kelly com ares de receio. 

—Ah qual é beleza? Tá com “medinho”? - Paul caçoou. 

—Cala a boca! É claro que eu não tenho medo. 

—Então tá... mas vamos fazer nossa festa particular primeiro. - Eve falou. 

—Querida, essa será nossa festa! 

Ben apontou para o grupo que seria alvo de suas gozações na noite seguinte. 31 de outubro, a festa de Halloween que fazia parte da tradição da cidade, de modo que eram raras as pessoas que não participavam das comemorações. Ao menos uma abóbora com uma expressão sinistra tinha que enfeitar as casa. Mais ou menos como as luzes de natal. 

—Está combinado então, nos encontramos na entrada de Black Water amanhã à meia noite. - decretou o jovem baixinho emagro que usava óculos enormes quadrados e de armação preta. 

—Nossa! Mas por que tão tarde? - a menina loira perguntou receosa. 

—Porque todos estarão na festa da escola a essa hora e nós teremos sossego para gravar a nossa versão dark de Chapeuzinho Vermelho. - respondeu Mick, o magrinho moreno e responsável por tudo aquilo. 

—Tem certeza que sua mãe consegue fazer uma capa, Cindy? - Michele, a loira perguntou. 

—Claro, minha mãe adora costurar. Sempre faz nossas fantasias. 

Respondeu timidamente, lançando um olhar para sua amiga Jamie. A garota que sempre a convencia a sair de casa na noite de Halloween para pedir doces. Jamie fora criada apenas pela avó e isso sempre a fez uma menina solitária, isso até mudar-se para Darkwest Falls. Tornando-se vizinha de Cindy, logo as duas se tornaram grandes e inseparáveis amigas. 

—Sim, você ficar perfeita como a Chapeuzinho sombria, Cindy. - animou-se Jamie. 

—Vai mesmo, tomem esse é o texto. - Mick lhes entregou algumas folhas onde estavam as orientações sobre como todos deveriam agir durante o vídeo. 

—Isso vai ser um sucesso no YouTube. - disse Murilo, o último integrante do grupo, o rapaz era bem tímido também e seria o responsável pela câmera. 

—E que música vamos usar? 

Cindy perguntou, sentindo-se mais animada. Havia sido mesmo uma boa ideia de sua professora de literatura, incluí-la no grupo de teatro. Havia ajudado muito em sua quase inexistente vida social. 

—Guilty do The Rasmus. - respondeu Mick ao soar do sinal que indicava o fim do intervalo. - Nos vemos mais tarde para ensaiar. 

Ele encerrou o assunto e o grupo se dispersou, cada um em direção à sua próxima aula. Jamie – geralmente mais animada – não parava de falar sobre o tal vídeo de Halloween que participaria na noite seguinte. 

—Pode ser nosso primeiro passo para a fama em Hollywood. - suspirou Jamie antes de separar-se de Cindy, que entrava sorrindo na sala e olhando para baixo. Quando um encontrão com alguém fez seus livros caírem no chão. 

—Ai... olha por onde anda sua coisa burra! - gritou Eveline, chamando a atenção da sala toda para cena. 

—Des-desculpe, eu sinto muito. - murmurou Cindy, abaixando-se para pegar suas coisas. 

—Des-des... e ainda nem sabe falar direito. - debochou ela fazendo alguns rirem para humilhação total da garota que murmurou outro pedido de desculpa e foi sentar-se em seu lugar de sempre. Na frente da mesa do professor – Sua nerd esquisitona... 

Eve saiu murmurando mal humorada pelo insignificante incidente. Desde o jardim de infância, Eveline sempre dera um jeito de transformar a vida escolar de Cindy num inferno. Colocando apelidos constrangedores devido a sua magreza e palidez, tachinhas em suas cadeiras, riscos em seu armário e tudo mais quando alguém possa fazer para discriminar outro. Mas o pior, era com certeza ser a linda e loira namorada de seu amor platônico, Ben o capitão do time de basquete e dono de lindos olhos azuis profundos que encantavam Cindy desde a primeira vez que se viram ainda crianças. 

Cindy sentia-se muito mal diante da mais recente agressão de Eve. Segurou as lágrimas durante toda a aula e manteve os olhos baixos o tempo todo, mesmo que ninguém a olhasse. Temia que se alguém tocasse no assunto fosse desmoronar em prantos ali mesmo, tornando pior sua cena humilhante. Graças aos céus, Eve e sua trupe de delinquentes populares tinham a última aula em uma sala diferente. Porém ao fim dos períodos, o inevitável aconteceu, como em outras milhares de vezes durante sua vida escolar, Cindy trancou-se no banheiro para chorar. O banheiro da ala de teatro era mais seguro agora, gentinha como Eve e os outros não eram do tipo de gostar de peças teatrais. 

—Cindy, você está aqui? - Jamie entrou no banheiro enquanto ouvia soluços abafados. 

—Estou. - respondeu ela entre soluços do outro lado da porta Jamie revirou os olhos, já imaginava o motivo. 

—Foi aquela vadia loira e sua gangue de novo? - indagou ela já sabendo a resposta. 

—Sim... ela me humilhou de novo, Jamie. Eu odeio ela! Odeio Eveline Moore! Odeio! - gritou Cindy enquanto dava murros na porta. 

—Ai Cindy, pare com isso, não vai conseguir muita coisa machucando sua mão aí. 

—Mas vai ajudar a descarregar minha raiva. Estou imaginando a cara dela aqui. - respondeu ela sentando-se na tampa da privada. Jamie suspirou. 

—Olhe, não tenha dúvidas que o dia que você resolver socar a própria em carne e osso, burrice, esnobismo e água oxigenada eu a ajudo. - disse Jamie fazendo a miga sorrir – Agora saia já daí garota, você tem que lavar o rosto e se preparar para ser a estrela do nosso vídeo de Halloween. 

Depois de alguns hesitantes segundos, Cindy saiu do pequeno cubículo e encontrou a amiga com um sorriso terno. As duas se abraçaram enquanto Jamie murmurava palavras de consolo para a amiga que jamais reagira às agressões de Eveline e sua gangue, como costumava chamá-los. 

—Agora – Jamie afastou-se – lave já esse rosto e trate de ficar linda, temos muito que ensaiar. 

Ela incentivou ganhando outro sorriso da jovem. Logo, envolvida com os preparativos para o famoso vídeo, Cindy esquecera-se por algum tempo do desagradável acontecimento de mais cedo.

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