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quinta-feira, 13 de junho de 2013

Holloween - penúltimo capítulo

                 Capítulo 9

A manhã chegou fria com um céu nublado e sombrio. O silêncio ainda reinava de forma estranha, pois a floresta costumava ser cheia de pássaros. Muitos não migravam ao chegar do frio e além disso os insetos faziam muito barulho – isso em um dia normal. Naquele 31 de outubro tudo estava diferente, a normalidade passava longe de Black Water. Kelly foi a primeira a despertar, ficou parada olhando para a parede verde de tecido liso com costura preta. Ela não queria ter certeza de que aquilo tudo tinha mesmo acontecido, queria acreditar que estava em sua cama e logo Matt a acordaria para mostrar os presentes de Halloween. Mas ainda estava lá, no meio daquele horrível pesadelo. Estavam perdidos, sem comida, sem água, sem celular e Ben não havia voltado.

—Kelly? - Paul chamou.

—Hum?

—Como está a Eve?

—Eu não sei... - murmurou ela ao sentar-se – Eve? - chamou mas a amiga não abriu os olhos – Eve?

—Ele voltou? - a pergunta saiu num sussurro dos lábios de Eveline.

—Não. - Kelly respondeu tomada de tristeza.

—Vamos procurá-lo então... já amanheceu. - Paul falou, mas não parecia certo do que propunha. Dava para ver claramente o medo estampado em seus olhos. 

—Vo-você acha seguro sair daqui? - gaguejou Kelly, temendo a ideia.

—Não quero passar mais uma noite nesse lugar... se for preciso caminhar o dia inteiro, farei isso. Como conseguimos sair daqui no ano passado? Vamos conseguir outra vez.

—Não vou sair daqui sem encontrar o Ben. - afirmou Eve sentando-se.

—Vamos encontrá-lo... - disse Paul e os três trocaram mais um olhar temeroso.

—Então... quem sai primeiro? - Kelly olhou para a entrada fechada com o zíper.

—Eu vou...

Prontificou-se Paul de súbito. Ele se aproximou devagar e forma hesitante abriu lentamente o zíper da barraca, apenas para encontrar um dia cinza e frio lá fora. Respirando fundo de forma discreta, ele saiu. Ergueu o corpo devagar, olhando desconfiado para todos os lados. Apenas a floresta que parecia infinita devolveu o seu olhar, não havia movimento algum em nenhuma parte. E nem mesmo um único sinal de Ben. Kelly e Eve saíram temerosas e encolhidas, sondavam a floresta. 

—Pra onde vamos? - Kelly perguntou, abraçando o próprio corpo. Houve um instante de silêncio.

—Em que direção ele foi? - Eve devolveu, tentando se localizar. Mas a floresta parecia igual de todos os lados. Como um labirinto. 

—Ah meu Deus! - Kelly ofegou de repente e os amigos a olharam. Seu olhar era fixo no chão alguns metros ao lado da barraca, ela foi ficando pálida e sua respiração falhou.

—Kelly, o que foi? 

—O que aconteceu? 

Paul indagou tão alarmado quanto Eve, mas Kelly não respondeu. Apenas limitou-se a estender o braço e apontar em uma certa direção. Mesmo sem muita vontade de descobrir o que ela tinha visto e que a deixara em estado de choque, os dois miraram na direção em que apontava. Ali, destacando-se das folhas marrons, mais uma imagem soturna de seu pesadelo. Apenas uma pequena cestinha preta. Todos estacaram. A cestinha preta que Kelly lembrava-se muito bem, ela havia posto ao lado do corpo de Cindy, depois de recolher suas balas. O terror os tomou e involuntariamente tremores e taquicardia invadiu seus corpos. Por minutos sem fim, nenhum deles conseguiu ao menos se mexer. Até Eve conseguir caminhar até ficar bem ao lado de Kelly, as duas se abraçaram diante da visão fantasmagórica.

—O qu-qu-que vamos fazer? - Kelly tropeçou nas palavras.

—Alguém deixou aqui para que encontrássemos. - proferiu Paul, depois de engolir em secos umas três vezes.

—Alguém? Que alguém? - Eve temeu.

—Não sei – mentiu ele, estava claro para todos ali – talvez seja o fim desse trote... Oscilou ele, ainda querendo acreditar que tudo não passava de uma brincadeira. Talvez até Ben àquela altura estivesse participando dela. Afinal de contas era Halloween, dia para se fazer brincadeiras apavorantes.

—O que será que tem lá? - Eve perguntou ainda tremendo.

—Vamos ir até lá e ver. 

Paul disse, ensaiando um passo. Relutante, olhou para trás procurando pela aprovação mas tudo que viu foi mais pavor e dúvida nos olhos delas.

—E se for perigoso? - Eve indagou apertando nervosamente sua lanterna. 

—É só uma cesta... o que pode ter de perigoso? - devolveu ele, olhando para trás.

Então caminharam os três a passos lentos na direção do objeto que parecia inofensivo. Mas o fato de estar ali era o que os aterrorizava, qual seria o significado? Se aproximavam com cuidado, esticando o pescoço para conseguir encher o que tinha dentro, descobriram um pano preto e pequeno a cobria. Um olhou para o outro como se perguntassem quem seria o que tiraria o tecido, Kelly e Eve olharam diretamente para ele que soube que era o eleito. Paul engoliu em seco e se baixou devagar, com receio tocou no tecido frio e o puxou. O conteúdo da cesta os fez gritar horrorizados e se afastar rapidamente, Paul tropeçou e caiu.

—Ah meu Deus! Ah meu Deus! 

Eles gritavam apavoradamente. Dentro da cesta havia um par de olhos azuis; os olhos de Ben. Paul levantou-se e correu para perto delas, não havia o que fazer.

—Eram olhos? - Kelly pareceu não acreditar enquanto Eve ainda gritava.

—Acho que sim...

—Ahhh eram os olhos do Ben! - Eve gritou numa mistura de choro.

—Oh meu Deus... - Kelly sussurrou.

—Temos que sair daqui, agora! 

Paul se descontrolou e segurou o braço de Kelly, puxando-a de volta para a barraca. Mas qual não foi a surpresa deles ao descobrir que a mesma não estava mais ali, onde estava há dois minutos atrás.

—Nãaaaaaaao! - Kelly exclamou levando as mãos à cabeça.

—Sumiu? Nossas coisas sumiram? - Eve perguntava maneando a cabeça de forma descontrolada.

—Quer nos isolar... nos deixar sem nenhuma chance. - Paul proferiu com um suspiro.

—Quem? Quem iria querer fazer isso com a gente? - Eve perguntou num grito.

—É a Cindy... - Kelly sussurrou com o olhar fixo no chão.

—A Cindy está morta! Está ouvindo, Kelly? Ela morreu, não pode fazer nada porque está morta! - Paul se descontrolou.

—É ela sim! Não vê? A música da Chapeuzinho Vermelho, a cesta, esse lugar! - Kelly berrava e logo após sua voz baixou de tom -Ela quer se vingar.

Quando Kelly terminou de falar, não houveram respostas. Cada um deles começava a deixar de lado o ceticismo e a voltar no tempo, um ano atrás quando aquilo tinha acontecido. Mas era irreal demais que estivesse mesmo acontecendo.

—Ben está morto... - Eve sussurrou entre lágrimas – Vamos embora daqui por favor.

—Vamos.

Concordou Paul e os três correram para longe daquele lugar, queriam se distanciar o máximo de onde passaram a noite e de onde encontraram os olhos. Não sabiam que direção estavam seguindo, mas queriam correr. Após alguns minutos, com exatamente a mesma paisagem ao redor, diminuíram o passo e andaram em silêncio durante horas. O tempo piorou e o que antes era um céu cinzento e nublado transformou-se em um céu negro de nuvens que pareciam anunciar uma tempestade.

—Meus pais iam pra St. Matthew hoje – comentou Eve quebrando o silêncio absoluto – nem devem ter descoberto que não cheguei em casa.

—Será que não estão procurando pela gente? - Kelly preocupou-se.

—Meu pai não dá a mínima pra mim, deve ter enchido a cara outra vez e está dormindo no sofá. - imaginou Paul com frieza.

—Queria estar na minha casa...

—Onde será que estamos? - indagou Eveline olhando para o céu.

—Se ao menos o sol estivesse aparecendo, poderíamos saber onde fica o leste. - Paul informou, colocando as mãos nos bolsos.

—Por que estamos andando tanto se não vamos chegar a lugar algum? - Kelly perguntou séria e os dois a olharam.

—Porque ninguém aqui vai ficar parado e esperar a morte. - respondeu Paul, zangado.

—Estou com fome... - ela disse.

—É, eu também.

—E eu daria qualquer coisa por uma garrafa de água. 

Completou Paul no momento em que uma leve e contínua rajada de vento fez as folhas do chão levantarem um voo baixo. Inesperadamente, uma névoa branca e espessa começou a se espalhar pelo lugar. Envolvendo os troncos das árvores, tornando impossível ver mais longe que cinco metros em qualquer direção. 

—Podemos para um pouco? Estou cansada. - Eve pediu apoiando as mãos nos joelhos.

—É, até que é uma boa ideia. - Paul concordou e Kelly não falou nada, apenas sentou-se apoiando as costas numa árvore e fechou os olhos.

—Onde será que estamos? - Eveline indagou, também sentando-se no chão.

—Não faço a menor ideia...

—E pra ajudar parece que vai chover... - observou ela.

—Isso até que não seria tão ruim, estou com sede. - falou ele – Que horas são?

—Hum... - Eve sibilou olhando para o relógio parado – acho que acabou a pilha... está parado em duas e trinta e um.

—Droga! - lamentou Paul sentando-se no chão também – Agora sim estamos perdidos mesmo, sem saber onde estamos, sem horas!

—Queria tanto que isso acabasse de uma vez. - desejou Eve, encostando a testa nos joelhos dobrados.

—O problema é; como vai acabar? - disse Paul.

—Nós vamos conseguir, Paul. Vamos sair daqui e buscar ajuda.

Afirmou ela, tudo que tinham naquele momento era um fio de esperança que tudo sairia bem, não podiam perder isso também. Mas as coisas não estavam nada boas. Haviam passado o dia todo caminhando e a floresta parecia exatamente igual. Não havia nenhuma orientação de para onde seguir e a fome, o frio e a sede que sentiam, os estava debilitando. Os minutos foram se passando e nenhum deles falou coisa alguma, o silêncio era perturbador. Até mesmo o vento havia se calado. Eve levantou a cabeça e viu Paul com a boca aberta com a língua de fora. 

—O que está fazendo? - murmurou ela.

—Neblina é aguá, né? Estou tentando matar a sede. - respondeu ele e Eve fechou os olho, maneando a cabeça.

—Não acredito que isso está mesmo acontecendo... - disse ela e Paul levantou-se.

—O pior vai ser se nós ainda estivermos aqui quando anoitecer... não temos onde passar a noite. É melhor irmos andando.

—Sim é verdade – Eve levantou-se mas Kelly não se moveu – Kelly? Kelly?

—Estou indo. - respondeu ela no exato momento em que Eve iria começar a entrar em pânico pela falta de reação da amiga.

—Acho melhor irmos para lá – Paul apontou numa direção que poderia ser o sul ou o norte talvez o oeste e bem mesmo o leste – acho que para aquele lado fica a estrada.

—Se soubéssemos ao menos onde fica o... antigo cemitério – ela sussurrou a última palavra.

—Pois é, ele fica há uns um quilômetro e pouco da entrada de Black Water. - concordou Paul.

—É melhor continuarmos andando. 

Kelly falou de repente num tom de voz estranho. Eve e Paul trocaram um olhar confuso e a seguiram já que caminhava na direção que eles haviam concordado. As folhas agora úmidas já não se quebravam mais debaixo dos peso de seus pés. Os três caminhavam lado a lado, se separarem poderia ser uma coisa muito ruim.

—Tenho uma ideia – Eve falou de repente, tirando uma fita vermelha do bolso amarrou-a no galho baixo de uma árvore – pronto, agora saberemos se passarmos por aqui de volta.

—É... essa maldita floresta parece exatamente igual em todos os lados. - Paul xingou.

—Shhhhh não fala essa palavra. - Eve repreendeu, Kelly ainda estava mergulhada no silêncio e caminhava abraçando o próprio corpo.

—Por quê? - ele quis saber.

—Porque esse lugar é mesmo amaldiçoado – respondeu em voz baixa – não se lembra das bruxas de Darkwest Falls?

—Ah, você acredita mesmo que eram bruxas? E quem garante que essa história é verdadeira mesmo? - duvidou ele.

—Porque isso remete ao início da história de Darkwest Falls... crescemos ouvindo essa história. - argumentou Eve.

—Besteira, eu não acredito. - ele afirmou dando de ombros.

—Como você pode dizer que não há nada de errado com esse lugar? E tudo que nos aconteceu? Acha mesmo que é normal?

Ela disparou e Paul não teve como argumentar. Realmente algo estranho estava acontecendo ali. Se fosse mesmo um trote, como antes haviam pensado, os organizadores do próprio já teriam se revelado e se divertido muito com a reação deles. Mas ninguém tinha aparecido e Ben não tinha voltado. Ele não assustaria os melhores amigos. Haveria então uma maldição na floresta de Black Water? Tudo indicava que sim.

—Eu só queria ir para casa. - Paul desabafou finalmente. Kelly, que há horas não falava nada e andava abraçando o próprio corpo alguns passos em frente, de repente falou:

—Ninguém vai sair daqui. - disse numa voz cansada e baixa.


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